Conglomerados de mídia foram quase unânimes em aplaudir o levante dos quartéis de Norte a Sul.
Se a deposição do presidente João Goulart encontrou eco entre intelectuais, artistas e movimentos culturais, não foi diferente na mídia. A grande imprensa tornou-se um dos pilares civis do golpe e celebrou a intervenção militar em editoriais virulentos.
Um dos textos mais impactantes, intitulado “Basta!”, foi publicado pelo jornal Correio da Manhã, do Rio, em 31 de março de 1964. Até então, segundo os historiadores Jorge Ferreira e Angela de Castro Gomes, o jornal defendera o regime democrático, recusando soluções de força. Mas, diante do acirramento da crise política, partiu para o ataque e passou a exigir a destituição do presidente.
Outros periódicos, como O Globo, Jornal do Brasil, Tribuna da Imprensa, O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo seguiram a mesma linha, como mostra o jornalista Carlos Chagas no livro A Ditadura Militar e os Golpes dentro do Golpe – A História Contada por Jornais e Jornalistas. Em todos eles, a ofensiva civil-militar é tratada como “revolução redentora”. A palavra “golpe” era associada a João Goulart, tido como um potencial ditador comunista.
No Rio Grande do Sul, com exceção da Última Hora, a imprensa teve o mesmo comportamento. Editado pela Companhia Jornalística Caldas Júnior, o jornal Folha da Tarde de 31 de março alertava para os perigos do “totalitarismo vermelho”. Do mesmo conglomerado, o Correio do Povo de 1º de abril acusava o governo Jango de ter se empenhado por uma “insurreição”, mascarada pelas reformas de base.
Zero Hora surgiu 34 dias depois do golpe, em 4 de maio de 1964. Ocupou o vácuo deixado pela Última Hora, fechada pelos militares por ter apoiado Jango, e surgiu como um jornal popular, ainda sem ligação com os atuais proprietários e o Grupo RBS. Em 1967, a família Sirotsky adquiriu 50% das ações e, em 1970, passou a ter controle total do empreendimento.
Na primeira edição, os responsáveis pelo periódico, cuja direção era do empresário e jornalista Ary de Carvalho, morto em 2003, definiram ZH como “independente” e “sem vínculos ou compromissos políticos”. Mas deixaram claro que defenderiam “os princípios cristãos” e que apoiariam todos os que “lutam para impedir a implantação (...) de ideologias contrárias às nossas tradições democráticas”.
A postura favorável ao golpe manifestada por praticamente todos os grandes jornais em 1964 não perduraria até o fim do regime. Com o recrudescimento da ditadura, a maioria reviu a posição – em especial a partir de dezembro de 1968. Naquele ano, seria promulgado o Ato Institucional nº 5 (AI-5), quando a censura, a perseguição política e a tortura atingiram o ápice no Brasil.
O apoio aos militares
no meio artístico e intelectual
Nem todos os artistas e intelectuais brasileiros se opuseram ao golpe de 1964. Da lista de adesões à intervenção militar fazem parte pensadores, poetas e escritores reconhecidos em suas áreas. Confira alguns nomes:
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Autor de alguns dos mais belos versos produzidos no Brasil, o poeta mineiro manifestou-se explicitamente a favor da “revolução” na edição de 4 de abril de 1964 do jornal Correio da Manhã. Segundo ele, João Goulart “pediu, reclamou, impôs sua própria deposição”. Ao referir-se ao golpe em seu diário pessoal, Drummond ainda registrou uma “sensação de alívio”.
GILBERTO FREYRE
O sociólogo notabilizado por obras como Casa Grande & Senzala “imediatamente abraçou o golpe”, segundo o historiador Thomas Skidmore. Freyre era amigo do marechal Humberto de Alencar Castello Branco, que se tornaria o primeiro presidente do regime militar, e teria sido inclusive convidado para assumir o Ministério da Educação.
RACHEL DE QUEIROZ
Ao ser entrevistada no programa Roda Viva, da TV Cultura, em 1991, a escritora confirmou ter apoiado o golpe e o governo do general Humberto de Alencar Castello Branco, a quem admirava. Justificou a posição por “abominar o janguismo”. Em 1966, atuou como delegada do Brasil na 21ª Sessão da Assembleia Geral da ONU e, a partir de 1967, passou a integrar o Conselho Federal de Cultura. Foi da Academia Brasileira de Letras.
RUBEM FONSECA
O escritor foi membro ativo do Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (Ipês), um dos órgãos que mais contribuíram para a desestabilização de Jango. “O executivo-mor (do Ipês) é o delegado de Polícia Rubem Fonseca, exímio redator de textos que, ali, põe em prática suas habilidades de inventar tragédias ou fantasiar situações, com as quais irá transformar-se em conhecido romancista anos depois”, diz trecho do livro 1964 – O Golpe, de Flávio Tavares.