*Ricardo Pereira de Freitas Guimarães é doutor e mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
Recente pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH) Nacional, Isocial e Catho realizada com 2.949 profissionais do setor revelou que 81% dos recrutadores contratam pessoas com deficiência “para cumprir a lei”. Apenas 4% declararam fazê-lo por “acreditar no potencial” e 12% o fazem “independente de cota”. Esses dados são reflexo de um dos grandes gargalos trabalhistas brasileiros atuais: a inclusão de portadores de necessidades especiais no mercado de trabalho.
Encontrar uma fórmula correta é a principal dificuldade para a inserção do portador de deficiência no mundo do trabalho. A solução deste problema atinge várias esferas, sobretudo pela carga emocional envolvida — muitas vezes inseparável do campo técnico da questão.
E o resultado da pesquisa apenas atesta que a simples inclusão do portador de necessidades especiais no mercado de trabalho, sem um estudo e trabalho específico, tem como resultado sua total exclusão.
O simples cumprimento de cotas pela iniciativa privada não significa inclusão. Atualmente, é quase impossível que as empresas consigam cumprir as cotas estabelecidas por lei. E não é por falta de vontade. A inclusão atual é realizada sem a preocupação adequada por parte do Estado, quanto à adequação (habilitação e reabilitação) do deficiente ao exercício da função e ao novo mundo do trabalho.
A atual Lei de Cotas (Lei 8.213/1991) obriga as empresas com cem ou mais empregados a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com portadores de deficiência. De acordo com o novo projeto, essa obrigação passaria a ser instituída para as empresas com mais de 30 empregados e amplia o percentual máximo para 8%, em vez dos 5% atuais.
E levando em conta as estatísticas federais, o cenário é mais preocupante. De acordo com estudo do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) e Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Emprego, havia no Brasil 358.738 pessoas com deficiência contratadas até setembro de 2014. No ano anterior, o registro era de 357.797 profissionais. Segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil há cerca de 46 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, 24% da população. Ou seja, existe um grande universo de portadores de necessidades especiais sem acesso ao mercado de trabalho.
E os principais fatores para a exclusão destes brasileiros do mercado de trabalho são a falta de uma política de reabilitação e qualificação dos deficientes e as “barreiras sociais” cotidianas de acessibilidade. E essas dificuldades acabam tornado este profissional um incapaz, impossibilitado de viver integrada ao meio de ambiente laboral, em virtude de uma deficiência física, mental ou sensorial.
De acordo com a pesquisa da ABRH Nacional cerca de 50% declararam já terem entrevistado pessoas com deficiência. No entanto, destes, 56% afirmaram não se sentir bem preparados para tal função, o que, para a ABRH, representa uma fragilidade do processo de inclusão. A pesquisa revelou ainda que 65% dos gestores possuem resistência em entrevistar e/ou contratar pessoas com deficiência.
E essa marginalização social em relação aos portadores de deficiência se manifesta na dificuldade na participação do processo produtivo da sociedade, pois não lhe é acessível o direito à educação e à profissionalização.
Entre os direitos fundamentais da República Federativa do Brasil encontramos a defesa da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho. Ambos destacados na Constituição Federal como “direitos fundamentais”. E nesses princípios fundamentais está também a inclusão do portador de necessidades especiais no mercado de trabalho. Isso porque o trabalho é livre, desde que atendidas as qualificações profissionais que a lei estabeleça, ou seja, a própria liberdade de trabalhar pode encontrar limites na qualificação da pessoa.
Talvez fosse interessante observar a postura, quanto à inclusão de deficientes, de outros países, como Espanha, França e Alemanha. Na Alemanha existem incentivos especiais para a contratação, contribuição para um fundo destinado à habilitação e reabilitação, assim como incentivos fiscais para as empresas que cumpram cotas. Na Espanha, há incentivos fiscais e subsídios para o cumprimento das cotas. E se destaca a existência de agências oficiais de empregos, sendo permitido às empresas o não cumprimento de cotas, desde que não haja mão-de-obra disponível. Isso parece bem adequado à realidade brasileira.
O importante é a sociedade refletir e reconhecer que o objetivo de cumprimento de cotas é fundamental. E mais do que isso: é urgente pensar em soluções imediatas para inclusão, reintegração e qualificação dos deficientes. E isso deve fazer parte de uma política ampla, pois os dados recentes revelam que só debater as cotas isoladamente não resolverá o problema. O que acontecerá será a perpetuação da posição adotada hoje pelos principais atores: de um lado o Estado que cobra o cumprimento de cotas e de outro lado a empresa, sustentando a inviabilidade do cumprimento.