Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
Na sexta-feira à noite, Leila olhou para o esposo Baltazar e, com uma típica circunspecção de inequívoca seriedade, fez o solene comunicado:
“Amanhã teremos um jantar na casa da Gabi e você vai se comportar direitinho.”
“E você me diz isso assim, em cima da hora!”
“Como em cima da hora? Ainda é sexta-feira, e o jantar será amanhã à noite.”
“Pois é, no caso, na véspera é o mesmo que em cima da hora, um jantar tem de ser programado com quinze... vinte dias de antecedência.”
“Ficou doido? É só um jantar em família, uma reunião informal.”
“Ah, é? Pois seja como for, não conte comigo.”
“O QUÊ? REPETE!”, exasperou-se a Leila, agarrando uma garrafa de vinho.
“Acalme-se, está bem, iremos ao jantar”, aquiesceu o Baltazar ao ver um brilho de fúria nos olhos da Leila, que segurava ameaçadoramente a garrafa, “mas... que história é essa de pedir que eu me comporte direitinho?”
“Você sabe muito bem, sempre que vamos à casa da Gabi o senhor faz questão de causar constrangimento ao Celso.”
“O Celso é um completo idiota!”
“O Celso é o marido da Gabriela, e a Gabriela é minha irmã, portanto...”
O Baltazar sabia que quando a Leila pronunciava o nome, e não o apelido de alguém, a esposa estava prestes a explodir.
“Está bem, vou me comportar”, apressou-se em dizer o Baltazar.
“Tem mais uma coisa, a tia Lili estará presente, ela é muito religiosa, o que é mais um motivo pra você se comportar, amor”, disse a Leila, largando a garrafa e sorrindo com os olhos repletos de repentina e autêntica docilidade.
E chegou o sábado. E a manhã e a tarde do sábado transcorreram normalmente. Mas, à noite, quando Baltazar e Leila chegaram para o jantar na casa de Celso e Gabriela, o Baltazar apontou para a porta do carro do Celso e disse à esposa:
“Veja isso.”
Na porta do carro, estava escrito, com letras garrafais: ESTOU COM BOLSONARO E NÃO ABRO.
“O Celso é ou não é um completo idiota?”, perguntou o Baltazar, com ar triunfal.
“Tá, eu concordo, ele é um completo idiota, mas, por favor, não vá dizer isso na frente dele”, cochichou a Leila, dando um beliscão no marido, “vamos entrar.”
Durante o jantar, o Celso elogiou uma salada de tomate. Foi uma deixa perfeita.
“Falando nisso, as plantas liberam no ar moléculas orgânicas combinadas como um alfabeto percebido por outras plantas como mensagens”, disse o Baltazar, “em uma plantação de tomates que está sendo atacada por insetos, as primeiras plantas devoradas liberam uma mensagem que os outros tomateiros percebem, podendo assim, soltar um cheiro menos atraente para os insetos, isso é solidariedade, já entre os homens!... Vejam vocês que o país está sendo devorado por um governo que é um inseto e...”
“O que você quer dizer com isso?”, perguntou o Celso.
“Só estava fazendo uma observação sobre Botânica”, respondeu o Baltazar.
“Não tente me enrolar”, disse o Celso, “você não falou nada sobre botas...”
A conversa acabou descambando para duras ofensas. Tia Lili tocava repetidas vezes a testa, o peito e os ombros com a ponta dos dedos e dizia amiúde:
“Se tem coisa que funciona direitinho nesse governo é o gabinete do ódio, parece coisa do demo! Proteja-nos, Senhor! Dá-nos mais lucidez e menos estupidez!...”.