Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
Eu vivo a repetir que os rompantes de loucura de Lucrécia não fazem dela uma louca. Eu vivo a repetir, mas ninguém me dá ouvidos...
Antes de dar sequência ao relato, quero deixar claro que a Lucrécia a que me refiro não é aquela romana que cometeu suicídio por volta do ano 500 antes de Cristo, após ser violada por um filho de Tarquínio o Soberbo. Também não é Lucrécia Bórgia, a duquesa de Ferrara, que morreu prematuramente em 1519, aos trinta e nove anos de idade, esta era célebre pela beleza, além de protetora das artes e das letras.
Vou falar sobre nossa Lucrécia. É verdade que nossa Lucrécia sempre foi bela como sua xará Bórgia, no entanto, jamais foi violada pelo filho de ninguém.
Mas, deixemos de lado as Lucrécias europeias. A partir de agora, vamos nos ater à nossa Lucrécia, podemos, pois, suprimir o nossa.
É certo que, há cerca de doze anos, usando granadas, Lucrécia explodiu um bar na Rua da Castidade. Também é vero que do bar não ficou pedra sobre pedra... No caso, garrafa sobre garrafa e/ou litro sobre litro. Não tenho uma procuração para aqui representar Lucrécia, mesmo assim, em sua defesa devo dizer que no episódio da explosão do bar, ela estava mergulhada em um rompante de loucura – embora não seja louca -, além disso, havia tomado cinquenta uísques e o garçom tentou cobrar cinquenta e dois. Bem, na verdade foram vinte e cinco uísques... Duplos.
Há pouco mais de um ano, Lucrécia apareceu com um saco de dormir e anunciou:
“Vou acampar em Brasília até que o governo comece a agir com bom senso.”
Tememos perder o convívio de Lucrécia para sempre. Com muito custo, conseguimos convencê-la a desistir da viagem pra Brasília. Como já havia providenciado o saco de dormir, Lucrécia foi acampar na beira de um riacho, eu acho.
Em outra ocasião, à mesa do café, Lucrécia disse ser uma árvore frutífera e estar no lugar errado. Levantou-se e, calmamente, caminhou até o quintal, onde abriu um buraco de aproximadamente meio metro de profundidade e meio de diâmetro. Entrou no buraco e o preencheu com a terra que acabara de remover. Lá ficou com a terra até as canelas, plantada, esperando florescer e frutificar. Depois de dois dias, desistiu da experiência. Foi só outro rompante. Mas, repito: Lucrécia não é louca.
Quanto ao nosso amigo Feliciano... Sei não! Outro dia ele me disse:
“Vi nas redes sociais que a família real britânica vai vender tudo o que tem e dividir o dinheiro com o povo, e depois da família de Elisabete II, outros nobres, poderosos e endinheirados farão o mesmo, vai ser o caos, o princípio do fim.”
“O princípio de tudo deve estar nas folhas de propriedades estimulantes daquele arbusto originário do Leste dos Andes e...”
“Percebe-se logo que você não entende a geopolítica, a divisão das grandes fortunas é uma conspiração para implantar o comunismo planetário, um perigo!”
O Feliciano vende drogas e passa as madrugadas engolindo caipirinhas. Acho até que ele combate a ressaca usando um chá preparado com caule de caapi e folhas de chacrona. Ayahuasca. Santo Deus! Daí-me paciência. Santo-daime.
E por falar em loucura, o que dizer sobre uma multidão que apoia um governo que prejudica um país inteiro?
Dia desses vi uma aglomeração na rua. Retirei um binóculo da patrona e verifiquei que Lucrécia estava no alto de um poste. De repente, ela alçou voo...
Volta e meia, pego a luneta e fico olhando para o alto... Procurando Lucrécia entre as estrelas. Nos dias loucos que correm, sinto muita falta da lucidez de Lucrécia.