Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
Havia algo errado com Gregório Monte.
Cristina, a esposa do Gregório, foi a primeira pessoa a perceber que o marido estava mudado. Numa terça-feira à noite, ele chegou e disse: “Boa-noite.”
E só. Não deu em Cristina o costumeiro e carinhoso beijo nem a tratou com a amabilidade usual. Seguiu para o quarto e depois foi pro banho. A princípio, Cristina pensou que o marido estava agindo com prudência e zelo, que seu comportamento estranho fora motivado pela altamente contagiosa variante do novo vírus, cavalheiro que era, certamente queria poupar a esposa de dissabores. Mas, depois que saiu do banho, o Gregório mostrou-se apático, não perguntou como fora o dia da esposa nem das crianças; não fez cafuné nos gatos nem nos cães; não fez nenhuma piada ou gracejo... enfim, mostrou-se macambúzio. Logo ele, o piadista Gregório! O sujeito mais palhaço – no bom sentido – desse mundo.
“Está tudo bem, amor?”, perguntou a Cristina, depois do jantar.
“Sim, está tudo bem”, respondeu o Gregório. E foi dormir.
E aquele temperamento fechado passou a ser constante. Gregório tornou-se homem apático e cabisbaixo. É bem verdade que algumas pessoas são naturalmente introvertidas, mas este nunca fora o caso do Gregório. Mostrar-se triste vez ou outra também é natural, mas acontece que no caso do Gregório a tristeza era ininterrupta. Era como se outra pessoa estivesse ocupando o corpo que outrora pertencera ao Gregório. O antigo Gregório sempre via o lado bom de toda e qualquer situação. O novo Gregório era taciturno e melancólico; o antigo, certa vez comemorou ao ser demitido de um emprego, e disse que estando desempregado não corria o risco de perder o emprego e que estava livre para fazer o que bem entendesse, até mesmo procurar emprego.
Nas duas semanas subsequentes nada mudou. E chegou o aniversário do Gregório e familiares e amigos organizaram uma festa surpresa, mas, nem mesmo a festa e a presença de pessoas queridas conseguiram resgatar o sorriso do aniversariante. Dois meses depois o Gregório foi abordado no portão de sua casa por três homens armados.
“Perdeu”, gritou um dos assaltantes, “passa o dinheiro, rapidinho, maluco.”
Levaram mil reais do Gregório, mas, curiosamente, deixaram-no com o celular.
Pouco depois, Gregório entrou na casa, beijou carinhosamente a esposa, abraçou as crianças, fez cafuné nos cães e nos gatos e contou várias piadas.
“O que aconteceu, amor?”, perguntou a Cristina, surpresa e sorridente.
“Acabo de ser assaltado”, respondeu o Gregório, sorrindo de orelha a orelha.
No dia seguinte, o celular do Gregório tocou; ele atendeu, do outro lado disseram:
“Aqui é da Companhia...”
“Bom! Companhia é sempre bom, melhor que solidão.”
“Oh, percebo que o senhor recuperou o bom humor, sente-se bem?”
“Muitíssimo bem, obrigado.”
“Então o senhor aprovou o serviço prestado por nossa Companhia?”
“Sim, claro, um excelente serviço, e digo mais, mil reais foi uma pechincha!”
“Mil reais é um valor promocional, para que não pese no bolso do cliente, afinal, a satisfação do cliente é o objetivo maior da CAD, conte sempre conosco, senhor.”
“Todo mundo que conheço tinha sido assaltado, menos eu”, comentou posteriormente o Gregório em um grupo de amigos, “estava começando a me sentir um estranho no ninho, alguém indigno de ser assaltado...”
Ah, CAD é a sigla de: Companhia de Assalto Delivery. Coisas da modernidade.