Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
Um carro desceu lentamente pela rua pacata de subúrbio. O motorista, acostumado ao trânsito intenso do centro, experimentava uma sensação de enfado, pois o veículo que conduzia era o único a circular por ali. Súbito, o carona disse:
“Chegamos, é aquela casinha branca, de muro baixo e portão verde.”
O motorista estacionou o veículo. O casal que ocupava o banco traseiro desceu e dirigiu-se ao portão verde. O homem bateu palmas e, segundos depois, uma senhora sorridente saiu da casinha branca e caminhou até o casal.
“Bom-dia”, cumprimentou a moradora da casinha branca.
“A senhora é Iolanda Paiva?”, perguntou a mulher que acabara de sair do automóvel.
“Sim, sou eu”, confirmou a senhora sorridente.
Com indisfarçada apreensão, o motorista e o carona olhavam a distância na direção do portão verde. Minutos depois, a senhora sorridente levou as mãos ao peito, deixou escapar um grito e precisou ser amparada pelo casal para não ir ao solo.
Iolanda Paiva acabara de receber a notícia de que, naquela manhã – há cerca de duas horas -, Mateus Paiva, seu filho caçula, garoto de oito anos de idade, dirigia-se à escola quando foi atingido por uma bala perdida. O menino foi socorrido, mas, não resistiu à gravidade do ferimento e... morreu durante a cirurgia de emergência.
A notícia implodiu o entusiasmo, a vontade de viver de Iolanda. Passaram-se semanas, meses, anos... mas, o sorriso da outrora sorridente senhora não mais retornou. Iolanda começou a fazer visitas a templos e consultas a líderes de variadas religiões com o intuito de receber algum informe sobre o filho Mateus, sobre como estaria o menino que fora tão precocemente retirado de seu convívio. Encontrou impostores, calhordas e charlatões diversos, entretanto, em nenhum momento pensou desistir de sua busca.
O quarto que fora ocupado por Mateus na casinha branca transformou-se em uma espécie de santuário em que ficavam todos os pertences do menino; era ali que Iolanda fazia, diuturnamente, orações pedindo um alento a Deus, um alento e uma luz.
Durante as noites, Iolanda rolava no leito, conseguia apenas cochilos entrecortados pela saudade. Sobre o criado-mudo, a mãe colocou uma fotografia do filho, uma fotografia em que Mateus – aos seis anos de idade – aparecia sério, com o olhar triste. E quando Iolanda retornava de algum cochilo, a primeira coisa que fazia era pegar a fotografia do filho e orar.
Passaram-se dez anos, e em um final de entardecer, Iolanda caminhava por uma praça quando deparou-se com um Homem sentado no calçamento com uma cuia de esmolas ao lado. A mulher depositou uma moeda na cuia. O Homem agradeceu e disse:
“Ele está bem.”
Ela já estava se afastando. Parou, olhou para o Homem e disse:
“O Senhor está falando...”
“De Mateus, seu filho”, disse o Homem, e repetiu, “ele está bem.”
“E eu posso ter uma prova do que o Senhor está dizendo?”, perguntou Iolanda.
“Em verdade, em verdade te digo que, amanhã, antes que os pássaros cantem anunciando a alvorada, terás uma prova do que digo.”
Como de costume, Iolanda passou a noite abraçada à saudade. E após um cochilo, levantou-se, sentou-se no lençol amarfanhado e apanhou a fotografia do filho. Olhou e viu um adolescente sorridente, transbordando felicidade. Lá fora, os pássaros iniciaram um festivo gorjear de saudação ao novo dia, ao novo tempo...