Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
No princípio, era chamado promontório, simplesmente promontório; posteriormente, após Bartira Consuelo adotar aquele ponto mais elevado do lugar como seu local preferido, é que passou a ser chamado promontório Consuelo.
Do lado Leste do promontório Consuelo ficava um imenso tapete azul e limpo que ia até a linha do horizonte, e além, um tapete azul que deram o nome de oceano. Do lado Oeste, ficava uma grande floresta.
A floresta era imponente e cortada por trilhas que serviam ao ecoturismo praticado em pequena escala por pessoas preocupadas com a preservação do meio ambiente e a consciência de que é necessário respeitar um presente ofertado por Deus.
Bartira Consuelo ficava no promontório Consuelo olhando alternadamente para o tapete azul do oceano e o tapete verde da grande floresta. Nenhum turista podia ver Bartira no alto do Consuelo; aquele era o mirante de Bartira, o ponto que a ela proporcionava uma visão privilegiada do mundo.
Cabe aqui um esclarecimento: nunca houve alpinista hábil o suficiente para chegar ao topo do Consuelo, por isso mesmo, além de uma visão paradisíaca, ali Bartira desfrutava de uma paz absoluta e contemplativa.
Os mais velhos do lugar contavam a história do voo de renovação das águias, uma história que Bartira achava fascinante, mas, nunca havia presenciado. Tal história levou Bartira a providenciar vitualhas e instalar-se no alto do Consuelo, de onde foi possível comprovar a veracidade do que os velhos contavam.
Não tardou a aparecer uma águia de quarenta anos no alto de uma montanha das imediações e acomodar-se em um ninho próximo a um paredão.
Bartira passou a observar atentamente.
A águia estava com a unhas compridas e flexíveis que não mais conseguiam agarrar as presas necessárias à alimentação; o bico alongado e pontiagudo estava curvo; as asas envelhecidas e pesadas em função da grossura das penas apontavam contra o peito; e o voo, outrora desenvolto e gracioso, tornara-se patético e constrangedor.
Então a águia começou a bicar o paredão, e assim o fez até que o bico caiu. Depois esperou, calmamente, o nascimento de outro bico, com o qual arrancou as unhas. E quando as novas unhas começaram a nascer, ela iniciou o trabalho de arrancar as velhas penas.
O processo todo teve a duração de cinco meses, então, cento e cinquenta dias depois de chegar à montanha, a águia alçou vitorioso voo de renovação. Bartira concluiu que, assim como as águias, às vezes é necessário que os homens se resguardem por algum tempo e comecem um processo de renovação. O homem que aprende exercer o perdão, encontra a fórmula de livrar-se do peso opressor e, assim, voar livre de amarras e desfrutar plenamente do valioso resultado da genuína renovação.
Depois de presenciar o processo de renovação da águia, Bartira, agradecida, lançou um olhar de respeitosa contemplação à natureza; e então adormeceu. Quando acordou, fez uma terrível constatação, descobriu que, enquanto dormia, homens insanos chegaram e queimaram a floresta, e no afã de extrair riqueza, cavaram buracos que serviram de túmulos - sepulturas de sonhos e esperanças. E o tapete azul estava sujo.
No alto do promontório Consuelo Bartira Consuelo sentou e chorou.
Mas a consciência de Bartira estava leve como pluma. E assim como a águia, ela alçou seu voo de liberdade...
Consciência leve como a de Bartira, tornou-se raridade nos dias de hoje.