Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
O velho lançou um olhar para a linha do horizonte. Do ponto elevado em que estava, era possível apreciar o verde que bailava suave ao vento e, de tão belo, tocava a alma. Virou-se então para o jovem que o acompanhava e disse:
“Falta-me palavras para descrever toda essa maravilha, o que posso dizer é que estamos diante de um presente de Deus, um presente que precisa ser preservado.”
“É mesmo muito bonito”, disse o jovem, “assustador é saber que quem dita as regras do convívio com a natureza são os insensatos.”
“Não estou bem certo, mas, acho que foi Martin Luther King quem disse que o que mais assusta não é o grito do mau, mas o silêncio do bom... algo assim”, ponderou o velho, “não se preocupe, a realidade não é assim, ela apenas está assim.”
O velho fez uma pausa e cantou uma bela ária. Depois ficou meditando.
“O senhor canta muito bem”, disse o jovem, “e a música que acaba de cantar é belíssima, confesso que não a conhecia.”
“Um dia vai conhecer essa e muitas outras canções, tudo no devido tempo.”
“Eu queria ter a idade do senhor”, pontuou o jovem.
“Na verdade, a melhor idade, seja em que tempo for, é aquela que temos”, disse o velho, “mas, curiosamente, os velhos querem ter a idade dos jovens e os jovens querem ter a idade dos velhos.”
“Como se a condição ideal estivesse sempre no outro?”
“Sim, mas, o ideal é aliar o ímpeto do jovem à experiência do velho.”
“Mas... isso não é utopia?”
“Minha memória às vezes falha, não me lembro se lhe disse ou não, mas, caso tenha dito, repito: utopia não é o impossível, é o possível que ainda não se realizou.”
“Como foi que o senhor aprendeu isso?”
“Vivendo, aprende-se tudo vivendo, e depois revive”, breve pausa, “via de regra, os jovens sonham, os velhos recordam.”
“E o senhor só recorda?”
“Não, continuo vivendo, portanto, aprendendo, ocorre que, entre nós dois, por exemplo, justamente por ter vivido mais, tenho mais a recordar.”
“E o senhor também sonha?”
“Claro, estou vivo, mesmo para os velhos, viver não é só recordar, é também sonhar, hoje, meu sonho é mais coletivo que individual.”
O dia estava bonito. O velho assoviou um trecho de uma canção antiga e disse:
“O que acha de irmos à cidade?”
“A cidade é um lugar bonito, mas, tem animais perigosos por lá.”
“É verdade, a cidade é habitada por animais bípedes perigosíssimos, mas, vamos tomar os devidos cuidados e, fazer umas observações, aprende-se muito observando.”
“Podemos aprender observando aqueles animais bípedes da cidade?”
“Sim, vamos observar atentamente o que eles fazem, e depois faremos o oposto, esse é o segredo, assim não correremos risco de cometer erros.”
E na cidade, avô e neto observaram os animais bípedes por longo tempo.
“Será que é carnaval, vovô?”
“Essa cidade fica num país em que o tempo todo é carnaval.”
“Perguntei porque alguns usam máscaras; outros, não.”
“Todos eles sempre usaram máscaras, só que, agora, as máscaras estão visíveis.”
E os dois pássaros voaram de volta à floresta.