Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
No início era uma pequena cova no chão, dessas que são usadas em jogo de golfe ou gude; a população concluiu que o buraco era inofensivo e o aprovou. Por sua vez – já que o tal buraco recebera a aprovação popular -, as autoridades nada fizeram a respeito. Entretanto, decorridos alguns meses, o buraco de poucos centímetros de diâmetro, transformou-se em uma depressão em que se podia esconder uma pessoa ou alojar um animal.
E o buraco continuou crescendo, e cresceu ao ponto de começar a causar problemas. Iniciou-se, promovido pelo buraco, um processo nefasto de destruição institucional. As autoridades decidiram que algo precisava ser feito e repudiaram o caráter corrosivo do buraco. No dia seguinte, inexplicavelmente, o buraco retornou à condição inicial de pequena cova no chão.
Alguns dias depois, o buraco voltou a crescer. Especialistas disseram que o recuo fora estratégico, uma manobra para serenar os ânimos das autoridades. A situação adquiriu ares de tragédia, várias vidas sucumbiram em consequência das atitudes do buraco que, sem a menor compaixão, seguia causando destruição e discórdia.
O comportamento do buraco indicava um firme propósito de semear o caos e, com efeito, sem o menor constrangimento, equilíbrio ou elegância, iniciou uma sórdida campanha de aniquilamento do bom senso. As autoridades ficaram perplexas.
“Ele está semeando o ódio, destruindo todo o avanço civilizatório até aqui conquistado, algo precisa ser feito”, disse um senhor alinhado, a respeito do buraco.
“Próximo ao grande buraco, gravitam buracos menores”, disse outro senhor, “e digo mais, o grande buraco já deu mostras de que é temperamental e, um buraco temperamental acuado pode se tornar extremamente perigoso, o que podemos fazer?!”
“Estamos com um problema tamanho família”, ponderou outro, “literalmente tamanho família, o jeito é tapar o buraco, pode até ser traumático para o sistema, mas, é preciso correr o risco, o buraco está colocando em risco os princípios democráticos.”
Ficou acordado que as autoridades iriam agir, contudo, no dia seguinte, o buraco novamente recuou, voltando a ser uma pequena cova no chão.
“Mas... o que é isso!”, surpreendeu-se o senhor alinhado, referindo-se ao buraco, “ele avança e recua, ou está desnorteado, ou fazendo uso de uma estratégia e... espere um pouco, será que ele tem algum grau de inteligência?”
“Duvido”, disse outro senhor, “ele pode ser tudo, menos inteligente, deve agir instintivamente.”
“De todo modo”, opinou outro, “diante do recuo, nada faremos...”
O povo? Bem, o povo estava dividido, uma parte era favorável ao buraco; outra parte, contra. O fato é que no país nunca mais se ouviu Over The Rainbow e não sobrou nem resquício de cor para deixar o viver mais leve. Os acordes de Luzes da Ribalta silenciaram. Apagaram-se as luzes e a ternura e restou apenas o som de disparos de armas de fogo. O povo acabou por ficar sem esperança, sem sonhos... sem nada.
Então chegaram alguns cavalheiros e disseram:
“Por não terem mais nada, vocês nunca mais perderão nada, alegrem-se, pois finalmente atingiram a tão-sonhada felicidade.”
E o povo, sorridente, dirigiu-se à avenida e pulou um carnaval sem som e sem cor. Pulou tanto que ficou cansado e... adormeceu. Quando acordou, constatou que o buraco não estava mais no país; pelo contrário...
O país é que estava no buraco.