Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
“Quando a cozinheira Carmem chegou para mais um dia de trabalho na mansão dos Rosselis”, disse o inspetor, “tradicional e rica família da cidade, sequer imaginava que iria encontrar uma cena de terror. Carmem contou à polícia que, chegando à residência dos patrões, deparou-se com a porta da frente entreaberta, achou estranho porque aquilo nunca antes havia acontecido, mas, entrou na casa. Tudo estava fora do lugar. Parecia que um furacão tinha entrado pela porta e soprado em todas as direções.”
“Mas, o pior estava por vir. Carmem chamou pelos patrões e pelas crianças, contudo, não obteve resposta. Então, movida por uma curiosidade natural, subiu a escada e começou a abrir as portas dos cômodos do segundo pavimento. Quando empunhou a maçaneta da porta do quarto do casal, sentiu algo pegajoso na mão. Girou a maçaneta e empurrou lentamente a porta. Deparou-se, então, com um quadro aterrador.”
“O casal e seus nove filhos estavam amontoados sobre a cama. O casal tinha sido degolado e, algumas crianças, idem. Pernas e braços estavam soltos pelo soalho. Carmem ficou petrificada, sem ação, como que presa em um pesadelo do qual não podia sair. Sentiu náuseas e tapou a boca com as mãos na tentativa de abafar um grito de pavor. Vã tentativa, gritou e correu escada abaixo. Tropeçou e caiu, por isso apresentava hematomas pelo corpo quando foi comunicar o fato às autoridades.”
“Na mansão, os policiais encontraram o cofre aberto e vazio, o segredo certamente fora obtido mediante ameaças. Tratava-se de um latrocínio de autoria desconhecida. A polícia chegou a suspeitar de Carmem, mas, para ter cometido o crime, obrigatoriamente ela teria de ter contado com a ajuda de comparsas. Diligências foram organizadas e, apesar do empenho da polícia, nenhuma linha investigativa progrediu. Não foi possível encontrar nenhuma prova, material ou circunstancial, que levasse aos autores do crime; sequer uma mísera pista conseguiram encontrar.”
“Alguns dias depois, pastores que se ocupavam em apascentar rebanhos numa planície dos arredores da cidade encontraram dois corpos; avisada, a polícia dirigiu-se ao local e constatou que os cadáveres eram de P.G.L. e M.G.L., dois irmãos conhecidos no mundo do crime. O produto do roubo, uma verdadeira fortuna em dinheiro, joias e objetos vários de valor incalculável, estavam juntos aos corpos dos irmãos. Ocorreu que P.G.L. e M.G.L. estavam na planície com o tesouro roubado e resolveram comemorar o fato de terem ficado ricos. Antes da partilha decidiram, em comum acordo, que P.G.L. iria até a cidade comprar uma garrafa de vinho para a comemoração.”
“A caminho da cidade, P.G.L. arquitetou um plano para ficar com todo o tesouro para si: envenenar a bebida. Deixaria que M.G.L. bebesse primeiro, e pronto! Ficaria com toda a riqueza. Enquanto isso, M.G.L. sozinho, na planície, elaborou seu plano: matar P.G.L. quando este chegasse com a bebida e, assim, não precisaria dividir o tesouro, simples e eficaz! O irmão sequer suspeitava, seria pego de surpresa.”
“P.G.L. chegou com a bebida e foi morto por M.G.L. que, para comemorar o sucesso de seu plano e sua nova condição de homem rico, bebeu o vinho. A polícia encontrou dois bilhetes, um no bolso de P.G.L., outro no bolso de M.G.L., cada um dos irmãos havia escrito, de próprio punho, seu engenhoso plano para ficar com todo o tesouro. Mas, um plano destruiu o outro e, paradoxalmente, ambos funcionaram.”
“Eis aí uma horrenda história de profanação da vida”, disse o jornalista que ouvia a história, “Mas, a verdade sempre vem à tona, não há crime perfeito.”
“De fato, solucionado ou não, não há crime perfeito”, disse o inspetor, “não há crime perfeito porque, em princípio, todo crime é uma imperfeição, meu caro.”