Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
Um vespertino e repentino vento invadiu o pátio e provocou o frenético rodopio das folhas secas que descansavam ao sol. No mesmo instante, por entre o rebuliço de folhas, um homem alto de cabeleira revolta atravessou o pátio com passos lentos. Aproximou-se do homem atarracado que usava uma boina marrom e disse:
“Bom-dia, cavalheiro.”
“Bom-dia, senhor”, disse o da boina marrom, “em que posso ajudá-lo?”
“Estou à procura de produtos valiosos.”
“Veio ao lugar certo, temos aqui o que há de mais valioso, produtos tão valiosos que o dinheiro não pode comprar.”
“Suas palavras me tranquilizam, pois não tenho nenhum dinheiro.”
Ora, senhor, com dinheiro só se compra ouro, prata e outras bugigangas afins, e como é do conhecimento dos sensatos, valioso mesmo é aquilo que não se pode comprar com dinheiro.”
“É verdade, diga-me: o senhor sabe para onde estão indo as folhas secas?”
“Estão brincando de pássaros loucos embriagados, mas não irão muito longe, nada nem ninguém consegue escapar dessa ilhota chamada Terra, exceto o pensamento e a alma, é claro, mas... o senhor tem algum produto em mente?”
“Ah, sim, primeiro item: solidariedade, o senhor tem solidariedade?”
“Ah, grande pedida! Temos aqui a solidariedade legítima, genuína, não aquela que consiste em se fazer algo de bom a outrem com o intuito de receber recompensa.”
“Acredito que as pessoas vão começar a fazer mais uso de solidariedade.”
“Não tenha dúvida, as pessoas terão de fazer uso de solidariedade até por uma questão de sobrevivência; sem solidariedade, todos perecerão.”
“Vão aprender o óbvio: se o outro estiver bem, isso me melhora; se o outro estiver mal, isso me piora, logo, ajudar o outro é ajudar a si mesmo.”
“Exato! Vou preparar a solidariedade para o senhor, qual é o segundo item?”
“Deixe-me ver... o segundo item é compaixão, o senhor tem compaixão?”
“Sim, temos a autêntica compaixão, aquela imbuída de verdadeiro pesar com os males e sofrimentos alheios, este é outro produto indispensável nos dias atuais, aqui está a compaixão, passemos ao próximo item.”
“Vejamos... ah, sim, terceiro item: prudência, o senhor tem prudência?”
“Claro, temos prudência, senhor, permita-me fazer uma observação: prudência é artigo de que as pessoas sempre precisam ter, sobretudo agora, nos dias pandêmicos em que vivemos. Ah, o estoque dos produtos especiais e valiosos de que estamos falando é inesgotável, e como brinde, o senhor levará a certeza de que no limiar de um novo tempo, o bem triunfará sobre o mal...”
Foi então que o diretor da instituição, que de seu gabinete monitorava toda a conversa, virou-se para um coordenador e disse:
“O grau de tresvario daqueles dois pacientes ultrapassa todos os limites.”
“Eles sempre tiveram ideias altruístas, doutor”, disse o coordenador, “já receberam tratamentos vários, de moderado a eletrochoque, mas, só pioraram, como o doutor constatou, chegaram ao ponto de acreditar no triunfo do bem sobre o mal.”
“Eles acreditam mesmo nessa baboseira de solidariedade, compaixão e prudência, acreditam no amor e na paz, como fez Jesus, esses dois representam um sério risco para o sistema, podem disseminar a ideia da utopia, de um lugar com governo justo e igualitário e onde vivam pessoas equilibradas e felizes. Os loucos são perigosíssimos!”