Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
Todos já ouviram falar do Tio Sam (Uncle Sam, em inglês). E todos sabem que a expressão é a personificação irônica dos Estados Unidos da América. O nome provém das iniciais U.S.Am – United States of America.
Mas nem todos já ouviram falar do Salomão Áureo Menezes, cujas iniciais do nome renderam-lhe a alcunha de Sam. O Salomão é um professor de meia-idade. E como as crianças costumam chamar os adultos de tio, Salomão virou Tio Sam.
“Sam, vá lá, mas Tio Sam, não, aí já é demais!”, protestou o professor.
E foi justamente graças aos protestos que o apelido pegou. Pegou, mas, evidentemente, a contragosto do Salomão, que acha Tio Sam um apelido depreciativo, tolo e deselegante. Até hoje ele fica possesso quando alguém se refere a ele como Tio Sam. É claro que os sobrinhos o chamam de Tio Sam, o que Salomão acha razoável, aprova, mas com naturais reservas, pra não dizer um enrubescido descontentamento.
Noutro dia, Salomão e a esposa Gláucia pediram uma pizza. Quando terminaram a refeição, a Gláucia olhou para o marido e disse:
“A mamãe já tomou as duas doses da vacina, amor.”
“E o que tem isso?”
“É que ela vai fazer aniversário no próximo sábado, como já está imunizada, vamos até lá levar um presente e lhe dar um abraço.”
“Não é bem assim, mesmo depois das duas doses não se pode abaixar a guarda.”
“Eu sei, mas nós vamos usar máscaras e eu vou levar álcool em gel na bolsa”, disse a Gláucia, “e antes de entrar na casa da mamãe, vamos deixar os calçados no alpendre e higienizar as mãos.”
“Sei não, pode ser arriscado, não se brinca com vírus.”
“Mas a mamãe tomou a segunda dose da vacina há mais de quarenta dias!”
“É pouco tempo, você sabia que o vírus da gripe espanhola circulou por cerca de quinze anos?”
“O QUÊ? FICOU DOIDO?”
“O que é isso? Que reação é essa?”
“Você está sugerindo que fiquemos QUINZE ANOS sem visitar mamãe?”
“Mas... é para o bem dela, amor! Eu...”
“CRETINO! Pode parar por aí, já está decidido, vamos visitar a mamãe no próximo sábado e não se discute mais esse assunto, ouviu? Tio Sam?”
O Salomão sabe que, quando a esposa o chama de Tio Sam, tem aí um recado implícito que, em outras palavras seria: “Estou prestes a perder de vez a paciência.”
O professor Salomão também sabe que, quando a Gláucia perde de vez a paciência, usa o insólito argumento de fazer com que vasos e outros objetos comecem a voar em sua direção. Era melhor ceder previamente aos argumentos da amada.
“Está bem, vamos visitar sua mãe no próximo sábado”, capitulou o Salomão.
“Mesmo depois de ter tomado as duas doses da vacina”, disse a mãe da Gláucia, durante a visita da filha e do genro, “fico apavorada só em pensar no novo vírus.”
“É bom tomar cuidado, mesmo”, disse o Salomão, “o vírus da gripe espanhola circulou por cerca de quinze anos.”
“Mas hoje tudo é diferente”, disse a Gláucia, fitando o marido, “a vacina pode deter o vírus, é o que está acontecendo na terra do Tio Sam, não é, amor?”
“Isso é verdade”, disse o Salomão, olhando para os objetos em volta, “a gripe espanhola ocorreu há um século, tudo mudou, já, já, esse vírus desaparece...”