Equipe mudou de Votuporanga para Hortolândia em 2006, mas deixou um legado de amor e de luta pelo futebol profissional
Jociano Garofolo
garofolo@acidadevotuporanga.com.br
Para Gilberto Pitarelli e mui tos torcedores de Votuporanga, ouvir a música “We will rock you”, da banda Queen, tem tudo a ver com futebol. Por anos, esse foi o tema que embalou os gols e as entradas em campo da Sociedade Esportiva Votuporanga, ou simplesmente a SEV, clube que surgiu com categorias de base em 2001 e mudou de cidade por problemas financeiros e falta de apoio em 2006.
Na memória de muitos, além de resgatar a paixão do votuporanguense pelo futebol profissional, carente após o fechamento da antiga Associação Atlética, a SEV é lembrada por jogos heróicos e viradas improváveis, além de revelar muitos jogadores nascidos e formados em Votuporanga.
O homem de frente da SEV, que sentiu na pele os dois lados do futebol, da glória e o amargo da derrota, relembrou os momentos vividos com o time no extinto estádio Plínio Marin, em entrevista na última quarta-feira (23), na Rádio Cidade. Gilberto Pitarelli hoje mora em Rio Preto e deixou para trás a vida no esporte e cuida de uma empresa do ramo alimentício.
Pitarelli conduziu a SEV até 2006, quando, movido por dívidas de até R$300 mil e desmotivado pela falta de apoio das lideranças do município, transferiu o time para a cidade de Hortolândia, encerrando mais um capítulo do futebol profissional e de base na cidade. “Apesar de ir embora de Votuporanga, a passagem da SEV por aqui foi como uma banda de um sucesso só, para deixar saudade, principalmente para aquele pessoal mais novo. Aqueles 200 garotos que treinaram nas categorias de base”, diz Gilberto.
Ele lembra que tudo começou quando abriu um centro de eventos na avenida Vale do Sol, com escolinhas lideradas pelos os professores Ulisses e Marquinhos, e que a SEV nasceu após a parceria com Elton Tatuí que havia retornado após um período fora do Brasil. “Surgiu a vontade de participar do campeonato organizado pela Federação Paulista. Não dava para ficar só na base e a equipe profissional surgiu por conta disso. Fizemos a filiação. Em 2002, montamos o time com vários jogadores da base”.
Entre os nomes que fizeram história na SEV são lembrados por Pitarelli, e com certeza por grande parte da torcida, os de Léo, Ratinho, Ricardo Bifaroni, Ricardinho, que fez nome no Joinville, o centroavante Willian, que veio do Atlético Paranaense emprestado, e também o atacante Maicon, que hoje vive em Goiás. O treinador Luciano Dias, na época iniciante, começou sua carreira que hoje é carimbada com seis acessos, no comando do time.
Acesso improvável
Em 2004, a equipe ficou em quarto lugar na competição e conquistou o acesso para a Série B2 de forma heroica. A SEV tinha seis pontos a menos que o Campinas, e um saldo de 10 gols para tirar em apenas duas partidas. Na primeira goleou o próprio Campinas por 6 a 1 fora de casa e depois venceu o Itararé na última partida por 3 a 1 em Votuporanga. No final, acabaram empatados com oito pontos SEV, Campinas e Assisense, mas a equipe de Votuporanga subiu pelo saldo de gols.
A vitória por 6 a 1 contra o Campinas fora de casa, que abriu caminho para o acesso, é lembrado por Pitarelli como o momento mais emocionante e compensador de sua vida no futebol. “Fomos para Campinas, viajamos pela madrugada, tomamos café da manhã na beira da estrada, descansamos duas horas dentro do ônibus. Quando a bola rolou, no primeiro tempo, fizemos 3 a 0. O Campinas fazia 19 jogos que não perdia. No segundo tempo fizemos mais três gols e eles descontaram no final do jogo”.
Superstições
Segundo Pitarelli, naquele jogo foi feito de tudo para a SEV ganhar. Da cor do ônibus até a viagem sem o conforto do hotel, tudo foi pensado para manter as superstições, daquilo que em outros jogos deram certo para o time. “Chegamos ao estádio 8h. O pessoal chamou a gente de cortador de cana, levantando cedo para jogar. A imprensa de Campinas apostava no acesso contra o então lanterna do grupo”.
Após o jogo, o Campinas ficou com cinco de saldo e a SEV com cinco negativos, faltando um jogo. “Eles ficaram com oito pontos e nós com cinco. No outro jogo, o Itararé ganhou, foi a nove pontos e subiu. Ficaram Assisense e SEV com cinco pontos. No último confronto vencemos o Itararé por 3 a 1. Em Assis, o Assisense ganhou do Campinas e nós conseguimos o acesso pelo saldo de gols, de maneira inacreditável”.
Em 2004, o clube garantiu mais um acesso histórico, desta vez para a Série A3. Como no ano seguinte o regulamento da Federação Paulista de Futebol foi reformulado, as Séries B1, B2 e B3 transformaram-se em uma única competição, a Segunda Divisão - equivalente à quarta divisão - e a SEV, que ficou entre os quatro melhores da B2, conseguiu uma vaga diretamente à Série A3.
“O ano da A3 foi muito difícil para a gente. Quanto maior a Série, mais o elenco tem que ser melhor. Tínhamos um bom treinador, o Luciano Dias, que hoje tem seis acessos na carreira. Mantivemos a base, mas era um time limitado para a A3. Nós só não caímos por conta de uma mudança de regulamento no final”, lembra Pitarelli.
Em 2006, a SEV muda de Votuporanga para Hortolândia. “A gente vinha fazendo reivindicações necessárias para manter o clube. Mantínhamos as categorias de base, em torno de 200 garotos, e isso custava dinheiro que não tínhamos. Ou a gente ia embora, ou caía”.
Amigos
Durante a entrevista, dois parceiros da época de SEV, Elton Tatuí e Marcelo Melo compareceram ao estúdio para abraçar o amigo Pitarelli. “É muito bom ver o Pitarelli. Fazia 10 anos que não nos víamos. São lembranças muito boas. Quando a gente fala de algumas pessoas do futebol profissional de Votuporanga, o nome dele, ao lado de Dorival Veronezi, tem que ser destacados”, comentou Melo
Falta de apoio
Por fim, ao lembrar-se do fim da SEV em Votuporanga, Gilberto Pitarelli não conseguiu esconder que sente que faltou apoio ao futebol profissional da cidade na época. Segundo ele, a ajuda era pouca. “Éramos sete, mas eu, Tatuí, Marcelo Melo, Alex, Ulisses e Marquinhos, trabalhamos no dia a dia do clube. Tenho saudades dos momentos felizes que vivemos, que foram poucos. Faltou muito apoio da Prefeitura na época. Não ajudava e ainda prejudicava. Tínhamos que pagar a manutenção do estádio. O osso mordia o cachorro. Era longe de ser o apoio necessário. Tem foto até no próprio jornal A Cidade provando isso. Tive até que subir na torre do estádio para trocar lâmpada”.