Visto pelo
Banco Central como uma ferramenta para aumentar a oferta de crédito e reduzir a
taxa de juro cobrada a empresas e famílias, o cadastro positivo tem potencial
de incluir 22 milhões de pessoas que estão fora do mercado de crédito e 60
milhões de consumidores negativados. Para o Governo Federal, a nova lei –
sancionada em 8 de abril pelo presidente Jair Bolsonaro – abrirá espaço para a
entrada de R$ 1 trilhão na economia nacional; desses, R$ 520 bilhões irão para
pequenas e médias empresas. A estimativa do poder público é de redução, também,
da inadimplência em 45%, gerando R$ 450 bilhões em arrecadação.Na análise da
lei anterior – em vigor desde 2011 – pode está a explicação para tamanho
otimismo do governo. Como a inclusão no banco de dados de bons pagadores era
realizado apenas mediante a solicitação do consumidor às instituições
financeiras, esse registro era irrelevante para a análise de crédito pela baixa
adesão do brasileiro. O novo cadastro positivo terá uma inclusão automática do
consumidor que contará, também, com uma pontuação específica que leva em conta
a adimplência em operações de crédito e no pagamento de contas de serviços
continuados: água, telefone, luz e esgoto.Não tenho
dúvida de que o cadastro positivo deva aumentar a competição. Hoje, na prática,
os cinco grandes bancos possuíam informações de boa parte dos consumidores,
enquanto outros playersdo mercado financeiro, incluindo as fintechs, possuíam
apenas a informação se a pessoa estava negativada ou não. Para se ter uma ideia
do impacto da aprovação, no modelo anterior, com a inclusão opcional, apenas 11
milhões de brasileiros estavam no cadastro positivo. Com a adesão obrigatória –
modelo no qual quem quiser pode pedir a exclusão –, o número de brasileiros no
cadastro deve multiplicar por 10. Vale lembrar que o impacto da mudança não
será imediato; o cadastro positivo entra em vigor em 90 dias e os bureausde
crédito só podem divulgar os scores60 dias depois. Ou seja, só vamos começar a
usar o cadastro no mínimo em 150 dias.Mas, qual será
o impacto do cadastro positivo na vida dos brasileiros passada a fase de
implementação? Na análise dos beneficiários efetivos, hoje, metade da população
adulta no Brasil está negativada, ou seja, tem acesso a crédito praticamente
nulo. Nesse universo, em várias famílias de baixa renda com quatro pessoas, por
exemplo, três estão negativadas. Com isso, só uma tinha acesso a crédito. Essa
única pessoa acabava se endividando por toda a família, gerando um ciclo
vicioso. Com o cadastro positivo vai ser possível identificar quais pessoas são
boas pagadoras dentro desse grupo. A partir desse momento, os bancos,
financeiras e fintechs começarão a ofertar crédito para parte desse grupo. Além
disso, quem estava negativado não tinha nenhum incentivo para pagar outras
contas. Se você estava com orçamento apertado e não conseguiu pagar uma conta,
você era negativado e não conseguia mais acesso a crédito. Na prática,
funcionava como um incentivo para não pagar várias outras contas.
Um ponto
interessante da medida é que autônomos têm muitas dificuldades para obter
renda, pois grande parte está no mercado informal. O cadastro positivo vai
permitir identificar quem são os bons pagadores e aumentar o crédito para essa
parcela da população que está criando o autoemprego em um cenário de desemprego
que ultrapassa a casa dos 13 milhões de pessoas, de acordo com o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O Brasil
possui um setor financeiro robusto e celebrado mundialmente pela inovação
tecnológica, mas enfrenta um desafio enorme ao constatar que não atende
integralmente a população que mais precisa do crédito: a de menor renda. Entre
os brasileiros, 60% da população do país vive com até R$ 22 por dia, ou seja,
112,4 milhões de pessoas. Em contrapartida, os serviços financeiros adequados,
acessíveis e que agregam educação para o uso mais consciente do dinheiro embora
essenciais são escassos. A inclusão financeira está diretamente relacionada ao
acesso e ao uso com qualidade dos serviços financeiros e capazes de conceder
statusde cidadania financeira, indicando políticas inclusivas associadas à
efetivação de direitos. O novo cadastro positivo opera nesse sentido. Mas, cabe
lembrar que, na prática, há um contexto preocupante. De acordo com a Tese de
Impacto em Serviços Financeiros– conduzida pela Artemisia – os brasileiros mais
vulneráveis não têm acesso a crédito; veem os serviços financeiros com desconfiança;
associam crédito à renda/poder aquisitivo; e não têm o hábito de poupar. Esse
mapeamento mostra que no país, a educação financeira é um desafio a ser
enfrentado e que se mostra ainda mais relevante com o cadastro positivo que
traz a expectativa de mais acesso ao crédito.
Guilherme de
Almeida Prado – Com mais de 15 anos de experiência empreendedora, Guilherme de
Almeida Prado é empreendedor de negócios de impacto social serial.