Passados 50 anos, o Concílio continua como referência indispensável para entender o caminhar da Igreja em nosso tempo. Um ângulo fecundo de sua análise é perceber os desafios que levantou, e as intensas motivações que ele despertou.
Esta abordagem nos permite uma constatação prática. O Concílio foi acolhido com muito entusiasmo, porque apontou causas importantes, para as quais despertou motivações eficazes para enfrentá-las.
Agora constatamos que não basta recordar as causas. E´ preciso também recuperar as motivações. Caso contrário, o peso das causas inibe as mudanças desejadas, e frustra as expectativas despertadas.
Quanto maior a causa, mais motivação é preciso para enfrentá-la.
Na “parábola dos balões”, quanto mais pesado o símbolo, mais gás era preciso para levantá-lo!
Qual foi o segredo deste Concílio? Ter desencadeado intensas motivações, capazes de abordar com entusiasmo problemas longamente arraigados na vida da Igreja.
A primeira grande motivação despertada foi de ordem ecumênica. O Concílio foi anunciado no final da “semana de orações pela unidade dos cristãos”. Todos, espontaneamente, intuíram que a primeira causa a ser levada em frente era a unidade dos cristãos.
A causa ecumênica foi o primeiro detonador do entusiasmo conciliar. Uma causa complexa, com componentes históricos complicados. Por isto o Papa precisou segurar as rédeas do entusiasmo ecumênico. Assim mesmo, o ambiente ecumênico balizou todos os documentos conciliares, e a presença dos representantes de outras Igrejas manteve os bispos sempre atentos à dimensão ecumênica de suas intervenções.
Mas, terminado o concílio, os passos dados no campo ecumênico ficaram muito aquém das esperanças.
Se queremos recuperar o impulso conciliar, é indispensável retomar a causa ecumênica, superando minúcias irrelevantes, e avançando propostas corajosas de aproximação. De tal modo que a causa ecumênica seja não só um caminho de unidade entre os cristãos, mas também um itinerário de purificação das Igrejas, que precisam reaprender juntas o legado deixado por Cristo para os seus discípulos viverem em comunhão fraterna, imunes de dominação mútua ou de competição recíproca.
Poderíamos ir elencando outras causas levantadas pelo Concílio, em ordem de importância, e que necessitam de profundas motivações para serem enfrentadas.
Como a causa da recuperação do equilíbrio entre Primado e Colegialidade, rompido desde a separação entre católicos e ortodoxos. A prática da Colegialidade sem a presença do Primado enfraqueceu as Igrejas Orientais. E o Primado sem uma prática da Colegialidade no ocidente esteve na origem da centralização romana, que explica as rupturas do século 16.
Outra causa importante, que teria merecido por si só um concílio, foi a reconciliação da Igreja com a modernidade. Com o Concílio a Igreja reconquistou o seu “direito de cidadania” no mundo atual. Ela agora precisaria se aproximar do mundo pós moderno, não para se apresentar como aquela que dogmaticamente tem todas as respostas, mas ao contrário, aquela que formula junto com o mundo as grandes interrogações que interpelam hoje a humanidade. Superar sua postura de “Mater et Magistra”, para se tornar “Discípula” que aprende a discernir os acontecimentos como no caminho de Emaús.
Outras causas importantes foram suscitadas pelo Concílio. Todas necessitando de motivação. Como a causa das “Igrejas Locais”, ou “Igrejas Particulares”, afinal, as nossas humildes mas imprescindíveis “dioceses”. Elas são o prolongamento do mistério da encarnação. Assim como Deus se fez carne e habitou entre nós, a Igreja de Cristo se faz concreta e se realiza em “Igrejas Locais”. Ninguém pode invocar eclesialidade, sem se referir a uma Igreja Local. Isto se torna sempre mais importante na medida em que cresce a relativização do “local”, enfatizando o “virtual”, dando atenção só a vinculações ideológicas ou de movimentos de espiritualidade.
Decorrentes da importância das Igrejas Locais, emergem as comunidades de base, seja qual for sua concretização histórica. A Igreja é mistério de comunhão, que se traduz em comunidades concretas. Daí a centralidade pastoral das comunidades.
Todas estas causas fazem parte das grandes intuições pastorais do Concílio. Falta recuperar a intensa motivação que elas despertaram.
Retomando a “parábola dos balões”, para decolar os símbolos era preciso muito gás. Para implementar o Concílio, é preciso muita motivação!
*Dom Demétrio Valentini é bispo diocesano de Jales