Estamos assistindo às reações e protestos ao filme americano “Inocência de Muçulmanos” que critica a figura e as atitudes históricas de Maomé, apresentado como um aproveitador. De acordo com os produtores do filme, sobre todos os heróis ou lideres religiosos já forma feitos filmes ou representações, por que Maomé deveria ficar intocável? Contudo, parece que o filme zomba abertamente de Maomé e é marcado pela insensibilidade ou mesmo desrespeito a uma tradição religiosa.
O fanatismo, que se expressa na intolerância, continua em pleno século XXI a ser uma grande ameaça à paz entre os povos. Por que a humanidade, tão evoluída intelectualmente, no âmbito tecnológico e científico, por exemplo, não consegue virar essa página do fanatismo e a intolerância?
Seguramente, isso tem profunda relação com o fato de que o terreno ou a natureza do preconceito e do fanatismo não ser da esfera racional, mas afetiva ou emotiva. Há uma dimensão irracional predominante na emoção traduzida em fanatismo e convertida em intolerância.
A insegurança diante do outro concebido como ameaça e o medo do conflito resultante do encontro com o diferente costumam gerar mecanismos de defesa, como o fechamento sobre si e concepções depreciativas do outro. Isso alimenta o etnocentrismo. Etnocêntrica é a atitude de quem considera a sua etnia, a sua tradição e a sua cultura como a referência do que há de melhor, a referência do modelo do que seja o certo a fazer. Assim, o sentimento de superioridade vem com esse juízo de valor de quem se considera melhor. Esse sentimento de superioridade normalmente se traduz e atitudes de desrespeito e de desprezo em relação às outras culturas, incompreendidas.
E como superar isso? Não há outro caminho senão a educação democrática, conforme a afirmativa e Norberto Bobbio: “a renovação gradual da sociedade através do livre debate das ideias e da mudança das mentalidades e do modo de viver. Apenas a democracia permite a formação e a expansão das revoluções silenciosas.”.
A falta de reconhecimento de uma fraternidade universal está na raiz de todas essas guerras, que configuram verdadeiros fratricídios. E essa carência de humanidade anda de mãos dadas com a impulsividade passional do ser humano. E dessa combinação nascem os juízos de valor, através dos quais uns se afirmam superiores aos outros.
O caminho da educação deve ser o caminho da libertação da inteligência na direção da superação das ingenuidades e das alienações para o horizonte da tolerância e do diálogo. Contudo, não devemos entender a tolerância como se fosse aceitação do inaceitável. O sentido primeiro da tolerância, que caracteriza a consciência ingênua tem, portanto, relação com a passividade, com a aceitação acrítica e irrefletida de realidades e verdades, com a ausência de encontro e diálogo intercultural. Tolerância, nesse sentido, aproxima-se de indiferença e se expressa como conformismo. Do outro lado desse extremo está a intolerância, o fechamento sobre si mesmo e a não aceitação da diferença. Na intolerância, manifesta no etnocentrismo, não há a consciência da relatividade do próprio olhar, do contexto que marca toda leitura do real. Se no extremo da “tolerância”, entendida como aceitação, tudo é relativo, no extremo da intolerância há universal absoluto afirmado sem a relatividade no qual ele se manifesta.
Assim, a educação tem a árdua e profunda tarefa de converter o animal homem para a humanidade e alimentá-lo, dia e noite, nesse ideal, para que esse ideal se sobreponha à impulsividade passional, que é fonte de tantas guerras. O caminho da educação é o caminho do amadurecimento da consciência.
*Celito Meier é teólogo, filósofo e educador