Vai para quase vinte anos o Grito dos Excluídos. Lançado pela primeira vez em 1995, daí por diante compareceu, anualmente, por ocasião da Semana da Pátria, no seu dia mais emblemático, o Sete de Setembro.
Neste ano não podia ser diferente. E com um apelo bem claro e consistente: “Queremos um Estado a serviço da Nação, que garanta direitos a toda a população”.
O Grito tem endereço certo, e proposta operativa. Trata-se do Estado, e de sua verdadeira finalidade.
Diante de afirmação contundente e propositiva, convém de imediato uma explicação conceitual. Pois ao se falar de “Estado” podemos estar supondo coisas diferentes, embora parecidas.
A palavra “Estado” pode ter uso exclusivo no singular, ou uso diverso no plural. No plural, por exemplo, nos referimos aos estados brasileiros, que na prática já são vinte e sete, cada um com seu nome.
Quando falamos de “Estado”, no singular, queremos nos reportar ao “aparato organizativo”, que é montado para servir de instrumento para regular os serviços públicos da sociedade onde vivemos. Referimo-nos, então, à maneira como é montado este aparato, que assume destinação política, se reveste de corporação jurídica, se estrutura para agir em favor de quem ele se coloca a serviço.
Vai daí que então o Estado se molda de acordo com aquilo que fazemos dele. E ele vai ficando do jeito como ele é conduzido, ou até do jeito como ele não é conduzido, mas deixado para que aja até contra os interesses de quem deveria mantê-lo dentro de suas finalidades verdadeiras.
Estas breves observações nos motivam a conferir como anda o “Estado Brasileiro”, como ele foi pensado, como ele foi estruturado, a serviço de quem ele está atuando.
O questionamento sobre o Estado Brasileiro é lançado pelo Grito dos Excluídos, mas também é feito no âmbito mais vasto de uma nova “Semana Social” que a CNBB está incentivando.
A proposta desafiadora é conferir “que Estado nós temos”, para ver “que Estado nós queremos”.
O Grito não perde tempo, e vai direto à sua postulação. Mas isto não deixa de exigir que se faça uma reflexão com mais tempo e profundidade, sobre este assunto que se mostra mais do que atual, pois ele é urgente.
Para ir provocando a reflexão, daria para traçar o perfil aproximado do Estado Brasileiro. Suas pinceladas não são nada animadoras. Tanto mais nos sentimos provocados a construir “O Estado que queremos”.
Em primeiro lugar, olhando “O Estado que temos”, constatamos uma marca registrada persistente e arraigada. É um Estado “patrimonialista”. A palavra logo acena para o “patrimônio”, nos ajudando a perceber que o Estado privilegia o patrimônio como o valor maior que ele tem a promover e a defender. Mas aplicada esta palavra ao “Estado que nós temos” faz também pensar numa das distorções mais frequentes que acontece com o Estado, quando ele é manobrado para favorecer o patrimônio de quem ocupa as suas funções!
O nosso Estado pode também ser chamado de “clientelista”, na medida em que ele se coloca a serviço, não de toda a população, mais de uma classe privilegiada.
E quando olhamos a maneira como os poderes de que se reveste um Estado para bem servir, se em vez de servir ele começa a ameaçar aqueles a quem ele deveria se destinar, o Estado assume o caráter autoritário. Quando esta atitude equivocada assume ares absolutistas, o Estado vira suporte da ditadura.
Se é legítimo colocar o Estado a serviço do verdadeiro desenvolvimento, se ele o promove em detrimento da justiça social e ignorando os cuidados para a sua sustentabilidade, o Estado pode ser apelidado de “desenvolvimentista”.
Partindo destas breves constatações, nos damos conta como precisamos, sempre de novo, conferir como deveríamos controlar o Estado, para que esteja de fato a serviço de toda a população!
*Dom Demétrio Valentini é bispo diocesano de Jales