No século V a.C Sócrates (470/69 a.C – 399 a.C) fez uma revolução moral, espiritual e filosófica no ocidente. A filosofia que surgira no século VI a.C tinha a preocupação com o cosmos, o universo, o todo. Sócrates, nos dizeres de Cícero (106 a.C – 43 a.C), fez descer a filosofia dos céus para a terra. O homem passa ser seu objeto de estudo principal. A questão “o que é o homem?” será respondida como sendo sua “psiché”. Tal palavra pode ser entendida como “alma” ou “razão”, no sentido de um “eu consciente” intelectual e moral.
O homem é a sua psiché, mas o que é o homem bom? Quem pode ser considerado um homem que vive bem? A revolução moral socrática consistiu em afirmar que este é o homem virtuoso, e a principal virtude, ligada à razão, é o conhecimento. Temos aqui fundada o que ficará conhecida como ética intelectualista.
Assim, para explicar porque um homem comete um ato mau, Sócrates e a grecidade antiga afirmarão que é devido à ignorância, isto é, alguém comete um ato perverso avaliando que, na verdade, é algo positivo para ele. O erro ou o equívoco moral é um julgamento precipitado.
A tradição judaico-cristã irá se deparar com outras questões a qual a ética grega tem limitações para responder. São Paulo (5 a.C – 67 d.C) nas suas Epístolas aos romanos dissertará que o homem faz o mal que não quer, mas não consegue fazer o bem que quer (cf. Rm 7, 19). Essa constatação certeira de Paulo será analisada pela tradição posterior como sendo consequencia do “pecado original”. Evento que torna o homem corrompido ao ponto de não ter o controle sobre os próprios atos volitivos. O “pecado original” foi a maneira que a tradição cristã encontrou para justificar por qual motivo, num mundo pretensamente criado por Deus, há tantas mazelas e desgraças, como a capacidade infinita do ser humano causar infelicidades (a existência de Deus pode ser colocada em dúvidas, mas o mal é um fenômeno presente!)
Esperar a benevolência uns para com os outros seria um equívoco tremendo. Assim, os homens criam as leis para possibilitar as relações sociais. Na visão da ética intelectualista grega o virtuoso seguirá as leis sociais, já que “entende” ser isso o melhor para a vida comunitária. Na visão cristã a lei, mais do que servir de parâmetro para as ações individuais, demarcando o que é lícito ou ilícito, serve de incentivo para que se cometam atos contra a própria lei (tais atos serão chamados “pecado” dentro da tradição cristã). Misterioso paradoxo! Mais uma vez, a perspicácia paulina auxilia nessa constatação.
Nas palavras de Paulo: “Que diremos, então? Que a lei é pecado? De modo algum. Mas eu não conheci o pecado senão pela lei. Porque não teria idéia da concupiscência, se a lei não dissesse: Não cobiçarás (Ex 20,17). Foi o pecado, portanto, que, aproveitando-se da ocasião que lhe foi dada pelo preceito, excitou em mim todas as concupiscências; porque, sem a lei, o pecado estava morto. Quando eu estava sem a lei, eu vivia; mas, sobrevindo o preceito, o pecado recobrou vida, e eu morri. Assim o mandamento, que me devia dar a vida, conduziu-me à morte. Porque o pecado, aproveitando da ocasião do mandamento, seduziu-me, e por ele me levou à morte” (Rm 7, 11).
Paulo fala sobre a lei de Deus (revelação para os cristãos), mas é possível constatar tais transgressões descritas acima às leis humanas, muitas vezes violadas pelo simples motivo de infringir a lei. Não é por acaso que o dito “o que é proibido é mais gostoso” está inserido no senso comum. Mesmo as “inocentes” crianças confirmam essa tese diariamente (o que dizer de nós, adultos?). Quando voltares a ouvir tal máxima, talvez não seja mais com tanta ingenuidade.
*Émilien Vilas Boas Reis é professor de Filosofia do Direito e Metodologia de Pesquisa na Escola Superior Dom Helder Câmara