A liberdade não garante a felicidade. Mas a ausência de liberdade gera sofrimento. Ter liberdade é ter direito de escolha. Se pudessem escolher, mulheres não se submeteriam à mutilação genital, nem a usar roupas que escondem todo o corpo e o rosto, nem a servir de saco de pancadas para parceiros violentos, nem a casamentos “arranjados”, nem à total subserviência, etc. Falar em liberdade da mulher pressupõe mulher com liberdade, o que não existe nos mencionados exemplos. Há países em que a mulher já desfruta de um razoável ‘status libertatis’, embora ainda sofra algum tipo de discriminação e/ou preconceito, com menos oportunidades no mercado de trabalho, ocupando pouco ou nenhum espaço em certas áreas da atividade humana, ganhando menos do que os homens para realizar trabalhos iguais. A “Marcha das Vadias” está sendo utilizada para pedir o direito à mulher de vestir-se como quiser e de dispor do corpo como bem entender, além do fim da violência contra ela. Tal evento, todavia, não tem sentido, ao menos nos locais em que é realizado. No Brasil e na maior parte do mundo as mulheres são livres, podem vestir-se como preferem, sair com quem querem, casar com quem escolhem, trabalhar. Podem mostrar o corpo à vontade, exceto quando fica clara a intenção de praticar ato obsceno, mas esta exceção é para homens e mulheres. A mulher não é agredida na rua ou apedrejada por ter posado nua. A atriz não é hostilizada por fazer cenas de sexo em filmes ou novelas. Nunca a mulher se aproveitou tanto do corpo para ganhar dinheiro. O único ponto em que a vontade da mulher encontra obstáculo legal, no tocante a dispor do corpo, é no aborto. Neste caso, o objetivo da lei, no meu entender, é louvável: se a mulher não quer engravidar, seja responsável na hora de fazer sexo. A lei não deixa o homem impune, pois o obriga a assumir a paternidade, com todos os seus ônus, quando tem filhos por vontade própria ou por “acidente”.
A igualdade entre homens e mulheres é garantida por lei. A Constituição Federal do Brasil reza que todos são iguais em direitos e obrigações. Há leis de sobra com previsão de punição para a violência física, psíquica, sexual, etc. contra a mulher. É relevante constar, entretanto, que quem pratica crimes de natureza sexual são pessoas com desvio de personalidade; além disso, as vítimas não são escolhidas pelas roupas que vestem. Pedófilos não atacam só pessoas do sexo feminino. A criminalidade em geral atinge homens e mulheres. Homens também são vítimas do machismo; uns se acham mais “machos” do que outros e não hesitam em demonstrar isto com meios nada dignos. Por outro lado, não são só homens que praticam crimes. As mulheres também aprontam das suas. Seu poder de realização não as guia só por bons caminhos. Leiam na revista Veja a matéria “Herdeiras do Tráfico”, sobre mulheres de traficantes, que dão continuidade aos “negócios” enquanto eles estão presos. Se tem homem que não presta, tem mulher que não vale “o sal do batizado”. Se tem homem que subjuga a mulher, tem mulher que faz do homem gato e sapato.
As mulheres querem liberdade. Sou a favor. Dentro do que a lei permite. Uma coisa, porém, é a liberdade sonhada, outra, a liberdade possível, e isso vale também para os homens. Ser livre é ter o mundo com o que ele tem de bom e com o que tem de ruim. Há uma grande distância entre o mundo que gostaríamos de ter e o que aí está. Pode-se dizer que a grande maioria das pessoas é decente, pacífica e respeita os direitos alheios. É a regra. Não é todo homem que pratica violência contra a mulher. Nem todo macho é machista. Mas toda regra tem exceção. Quem atenta contra a liberdade alheia é uma pequena parcela da população. Mas esta pequena parcela já é suficiente para gerar insegurança no meio social. Por isso, liberdade não dispensa cautela. Eventos como a “Marcha das Vadias” não vão livrar as mulheres de psicopatas sexuais, nem de maridos violentos. Eles são insensíveis. As mulheres devem observar certas regras de precaução no seu dia a dia e ter cuidado nas suas escolhas. Os homens também. Voltarei de novo ao tema.
*Paulo Pereira da Costa, promotor de Justiça paulopereiracosta@uol.com.br