A presidente Dilma Rousseff deu um passo importante ao cortar alguns encargos que incidem sobre a energia elétrica e outro que causa apreensão, o de mudar, por medida provisória, o regime das concessões do setor que tem vencimento concentrado em 2015. Essas medidas somadas a desoneração tributaria, a redução da taxa de juro e a política cambial mais pragmática são os ingredientes para a retomada dos investimentos. Fica a dúvida se o método escolhido para prorrogar as concessões tem o devido amparo legal.
A decisão de aliviar a conta de energia demorou e pelo grau de incertezas que o pacote de medidas está suscitando fica no ar se na sua formulação todas as partes envolvidas foram ouvidas pelo governo, o que só reforça a importância do debate e decisões que ocorrerão no Congresso Nacional.
O pacote prevê aporte de R$ 3,3 bilhões para substituir recursos dos encargos e assim reduzir o custo da eletricidade a partir de 2013. A questão da desoneração dos encargos, porém, precisa avançar.
Quase 50% da conta de energia é composta por encargos setoriais, taxas e tributos, dentre eles a CCC (Conta de Consumo de Combustíveis), a RGR (Reserva Global de Reversão), o ESS (Encargos de Serviços no Sistema), incluindo ainda o PIS/Cofins, no âmbito federal, e o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), que é cobrado pelos governos estaduais. É necessário também aprofundar a revisão dos encargos remanescentes do setor elétrico e desdobra-la ao nível dos estados com a diminuição da incidência de ICMS sobre as contas de energia.
Premido pelos altos custos que representam os tributos na conta de luz, do risco da inflação e do fraco desempenho da economia, o governo decidiu baixar o preço final da energia elétrica extinguindo a RGR, a CCC e reduzindo a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) a 25% do valor total. Agiu reativamente, na “urgência”, como a própria presidente Dilma admitiu no anúncio do pacote.
É claro que a iniciativa deve ser saudada, pois caminha no sentido de aumentar a competividade da indústria, do setor produtivo de forma geral. No entanto, a questão energética no país continua sendo tratada sem a necessária estratégia e sem previsibilidade pelo governo. O atual modelo carece urgentemente de ajustes como a retomada do leilão de novas áreas para exploração de petróleo e de medidas para retomar o aumento da produção do etanol.
Fiquemos restritos apenas a questão elétrica: a adoção de leilões regionais e por fontes visando à segurança do fornecimento de energia é fundamental. A medida se justifica pela crescente perda da capacidade de armazenamento dos reservatórios das hidrelétricas para geração de energia, que necessita ser suprida pela complementação de usinas térmicas movidas por outras fontes de energia (gás, carvão e combustíveis fósseis).
Os leilões regionalizados por fonte de energia podem estimular a contratação das especificidades de cada estado produtor de energia, o que contribuiria para a redução dos investimentos em transmissão e aumentaria a segurança de abastecimento, aproximando a geração dos centros de carga.
No período mais recente, assistimos também a matriz energética diversificar suas fontes e uma mudança da institucionalidade do setor (CNPE, CCE, CMSE, ANEEL, etc.). Tudo isso exige agora um reequilíbrio, um planejamento de médio e longo prazo para a definição da nossa matriz energética.
O momento que vivemos nos dá oportunidade de uma decisão mais precisa da participação relativa das diferentes fontes na matriz energética, bem como aperfeiçoar a metodologia de leilões adequando-a a questão localizacional e, na parte institucional, redefinir o papel do CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico) para dar maior transparência as decisões do setor elétrico e, ainda, fortalecer o papel das agências reguladoras.
Quanto às mudanças legislativas nas concessões, manifesto a convicção de que o assunto deveria ser tratado por projeto de lei. Esse é o caminho adequado para dissipar incertezas jurídicas da edição de uma medida provisória, e também possibilitar maior clareza na definição da incorporação dos ganhos de investimentos já amortizados para a competitividade e diminuição do custo da energia. É preciso garantir que o atual ciclo de concessões ocorra com clareza e objetividade em relação ao cálculo de amortização dos ativos, com parâmetros de qualidade e também de custos para a continuidade da prestação dos serviços.
A superação do nó energético só será alcançada quando o governo apresentar uma visão de longo prazo, uma verdadeira estratégia para o setor de energia.
*Arnaldo Jardim é deputado federal (PPS/SP) e presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Infraestrutura Nacional