Uma decisão recente do TSE nos obriga a por as barbas de molho. Os ministros da Corte afirmaram que o agente público que teve suas contas rejeitadas pelo tribunal de contas pode candidatar-se às eleições, a menos que tenha agido com a intenção de lesar os cofres públicos. Não basta a culpa ou descaso.
À primeira vista, a decisão parece acertada. O artigo 1o, I, g, da Lei Complementar 64/1990, com a redação dada pela Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010) torna inelegíveis os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa. Ato doloso requer a “vontade livre e consciente” de atentar contra a moralidade e o patrimônio públicos.
Há de se considerar que nesse Brasilzão de Deus há muitos administradores públicos despreparados para o cargo. Erram por desconhecimento e não por má fé. Não podemos fechar os olhos para essa realidade. Como, aliás, também nos chama às contas outro aspecto dessa mesma realidade: a dificuldade de provar o dolo em muitos dos atos de impropridade administrativa.
Essa prova será tão mais difícil quanto mais estruturado for o órgão e mais alto o posto do agente público. Na prática, isentaremos da Ficha Limpa os governantes de grandes municípios e estados, para não falarmos da própria União. No mais das vezes, teremos pistas de negligência ou imprudência, raramente de ato deliberado de enriquecimento ilícito próprio ou de terceiro. Ou de dano ao erário.
Como não é dado às cortes de contas aferir o dolo do agente, restará o exame quase sempre limitado e tardio da intenção dos gestores públicos pela Justiça Eleitoral. Muito subjetivismo judicial e riscos de cooptação pelos poderes locais acendem a luz amarela de nosso espírito democrático. E de nossas barbas por fazer. De molho.
*José Adércio Leite Sampaio é Jurista