Elaborado com o objetivo de organizar e incrementar a legislação criminal brasileira, o Projeto de Lei do Senado 236/2012, que estabelece o novo Código Penal, em vez de aprimorar o direito penal e a Justiça, pode provocar diversas distorções se for aprovado de afogadilho.
Devido a uma alteração no regimento interno do Congresso Nacional, o fato de o anteprojeto ter sido elaborado por uma Comissão de Juristas permitiu que o texto do novo Código Penal queimasse etapas e não precisasse tramitar pelas comissões temáticas das Casas Legislativas, que agregariam valiosas contribuições.
É fato que o atual Código Penal, que foi editado em 1940 e passou por diversas alterações, não consegue mais normatizar todas as situações encontradas pelo país, pois as transformações sociais geraram novas relações que precisam ser previstas pela reforma penal. No entanto, qualquer mudança deve ser feita com serenidade, sem pressa para amadurecer a matéria.
O texto do novo Código Penal traz importantes contribuições frente aos crimes de trânsito e cibernéticos, mas vem sendo criticado por traçar um sistema com penas absolutamente desproporcionais. Um exemplo é o artigo 394, que prevê pena de prisão de um a quatro anos para quem omitir socorro a qualquer animal em perigo. Em comparação, o artigo 132 prevê pena de prisão de um a seis meses àquele que deixar de prestar assistência à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida. Onde está a proporcionalidade de penas?
O projeto também apresenta um problema sério ao prever a supressão do livramento condicional para condenados a penas privativas de liberdade, medida que sem dúvida contribuirá para, em pouco tempo, acelerar ainda mais o crescimento da já grave superpopulação carcerária.
Por sua vez, o artigo 122, que disciplina a eutanásia, cria outra polêmica ao confrontar o direito constitucional à vida, prevendo que o juiz deixe de aplicar a pena avaliando as circunstâncias do caso e as relações de parentesco ou estreitos laços de afeição do agente com a vítima, sem que, porém, haja qualquer diagnóstico médico.
O tratamento dado ao racismo também merece mais atenção. Ao tipificar certas condutas como crimes de racismo, o código pode deixar de abranger outras formas racistas de agir, que poderão cair na atipicidade e na não punição. O ideal seria manter o tipo penal aberto em relação ao racismo, e aumentar a pena mínima de um para dois anos de prisão, para que o ofensor possa ser realmente punido, considerando-se que a Constituição trata o racismo como imprescritível e inafiançável.
O novo Código Civil levou 25 anos para ser elaborado e aprovado, ou seja, passou por um longo tempo de maturação. Certamente, o Código Penal não precisa levar tempo igual para ser concluído, mas deve ser debatido amplamente com os operadores do Direito e a sociedade visando seu aprimoramento, porque a pressa muitas vezes pode comprometer garantias fundamentais dos cidadãos. Como bem disse o ministro Gilson Dipp, do STJ, que presidiu a Comissão de juristas no Senado, o Código Penal é a lei mais importante depois da Constituição Federal porque estipula o poder do Estado frente à liberdade do cidadão.
*Marcos da Costa é presidente em exercício da OAB SP