*Prof. Manuel Ruiz Filho
Há tempos eu queria escrever sobre esse tema. Por algumas vezes comecei e não consegui. É um tema difícil porque não tem como se furtar do sofrimento quando se escreve. Mas agora não abro mão. Vamos lá. É lamentável e triste, dor irreparável quando abrimos o jornal e uma manchete bem localizada nos dá a notícia de que, num acidente, alguém perdeu um filho. Não existe dor maior. Só quem tem filho pode imaginar o que isso significa. Perder um filho é como perder metade de você, e o que é pior, a outra metade não aprende mais a viver. Tenho compaixão das famílias que acabam por sofrer essa atrocidade. Será o destino? Será obra do acaso? Alguns até duvidam da existência de Deus nessas horas. Mas, não creio que Deus possa ter participação ativa nessas fatalidades. Ele nos dá a graça de escolher o que podemos fazer todos os dias. Nós fazemos o que queremos e jamais podemos atribuir culpa a Ele. Eu acelero o carro quando quero, avanço a moto quando sinto que a velocidade contra o vento tem sabor de vitória, mas não consigo concluir que desafio o perigo. Temos conhecimento que viúvos e viúvas significam que um do casal tenha partido. Quando se perde o pai ou a mãe diz-se que os filhos ficaram órfãos. Mas para quem perdeu um filho nenhum dicionário conseguiu ainda palavras para preencher o significado. Todas as pessoas que tiveram a infelicidade de perder um filho e não importa com que idade perdeu, não conseguiram se livrar desse complexo sofrimento que é seguir a vida sem eles. Nenhum especialista tem dado com segurança suporte emocional àqueles que o procuram tentando encontrar explicação para o tremendo espaço ocupado pela angústia e pela falta de motivação. Quando partem os pais deixando filhos, mesmo que menores, nos tem parecido que a ordem natural das coisas continua sendo obedecida. A morte de um filho tira do chão os pés do pai e da mãe, que flutuam pelo resto de seus dias. Ela produz uma ruptura na realidade daqueles que perdem, porque a vida é abruptamente destroçada e não deveria ser assim. Nenhum pai admite ter sido pai de um filho e de repente deixar de o ser. Difícil se dar conta de que o filho já não está mais presente. Os pais passam a resistir como podem, como conseguem, acreditando por um instante divino que seu filho não se foi, passando a valer-se dessa negação a fim de sentir que o filho continua vivo. É claro que depois de uma luta interior incansável contra uma realidade inadmissível, o pai acaba cedendo e admitindo a perda. É notório também, que a existência do filho fica inscrita para sempre na mente paterna ou materna, pois se há de convir que um filho não seja uma pessoa a quem se conheça de imediato, como ao restante dos outros. A um filho se reserva um espaço todo especial na mente e no coração, desde que os pais planejam a sua concepção e, a partir dela, toda a sua existência. Muitos pais, ao se depararem com a morte de um filho, relatam que em várias ocasiões tinham pensado: “eu planejava como deveria ser o batismo de minha filha, chegava mesmo a imaginar cada uma das festas de aniversário que eu lhe faria, mas nunca fui capaz de conceber como deveria ser seu funeral”. Isto porque basicamente nós, seres humanos, enquanto vivemos deixamos a morte de fora. Para nós nem toda morte nos diz respeito, só se torna real quando acontece conosco, em nossas vidas, e o que mais assusta é que ela aparece sem nos pedir licença, irrompendo na vida da gente. Parece-me que, ainda que se escreva uma enciclopédia completa sobre a experiência de se perder um filho, não seria suficiente para se chegar a compreender o que vivem esses pais. Quando falam da solidão e de seus vazios, continua incompreensível para mim, porque solidão e vazio são palavras difíceis que preenchem a lacuna da ausência. E essa falta continuará a se fazer presente, servindo para vislumbrar a essência humana e nos tornar conscientes de que, muitas vezes, “se não estamos dispostos a encarar a morte, é porque o amor causa dor, e só quando se sofre é que se sente medo de perder a pessoa amada”.
*Prof. Manuel Ruiz Filho