É fato que nosso sistema carcerário “é medieval”, conforme recente fala do Ministro da Justiça, pois não atende à dignidade humana nem visa à reinserção social dos apenados. Se, por um lado, há um déficit carcerário que solicita imediatamente a construção de novas vagas no sistema penitenciário, existe também, por outro lado, o descaso com os direitos sociais que fará com que nenhuma construção carcerária será suficiente, pois, em nossa realidade, o fenômeno da violência tem acentuados traços de reação a violências sofridas, especialmente do abandono e da exclusão dos direitos sociais.
Urge um plano integrado de projetos e de ações entre os diferentes ministérios. Destaco aqui as viáveis e necessárias articulações que deverão ser estabelecidas e cada vez mais aprofundadas entre o Ministério da Justiça e os Ministérios da Educação, do Trabalho e da Saúde.
O que esperar de uma sociedade se seus cidadãos não tem acesso à educação de qualidade, quando sequer são alfabetizados ou letrados na leitura do mundo? A complexidade do tecido social nos obriga a ver a relação existente entre o atual sistema carcerário (seu excesso populacional e a perversa e corruptora ociosidade nele reinante) e o modelo de nossa educação, ou melhor, de falta de educação.
O resgate da dignidade humana deve ser objetivo primeiro tanto dos que ainda não estão na esfera do crime quanto daqueles que já se encontram detidos pela Justiça. Por isso, aos que se encontram detidos, o Ministério da Justiça deverá desenvolver projetos integrados com outros ministérios para proporcionar aos indivíduos afastados do corpo social condições humanas e psicológicas de aperfeiçoamento pessoal e profissional, que servirão como luz e guia para a sua reinserção social.
A vergonhosa situação na qual se encontra o nosso sistema prisional denuncia a fragilidade de nossa democracia, na qual os indivíduos são abandonados à sensação de liberdade e impunidade. Essa noção de democracia, que se confunde com ausência de limites e de orientações firmes para a responsabilidade social, já tem sido denunciada historicamente desde Platão. Esse modelo, na forma histórica na qual se encontra, vem alimentando o espírito individualista, na contramão da república.
A falta de um espírito verdadeiramente republicano nos homens públicos, a falta de foco na atualização dos direitos humanos e sociais tem sido o alimento que perpetua a gravidade do quadro educacional, social e prisional brasileiros. O que fazer?
Da mesma forma como o sistema de cotas não funcionará se as ações afirmativas não forem, simultaneamente, acompanhadas de políticas afirmativas, o nosso sistema carcerário permanecerá sendo expressão de injustiça institucionalizada se não houver, de forma concomitante, o desenvolvimento de uma politica educacional que lance as sementes e forme as raízes da revolução política que perseguimos há séculos em nosso país.
A perseguição desse objetivo de vida cidadã, democrática e republicana, de horizonte longínquo, com etapas intermediárias mais próximas, que talvez não traga votos na consciência dos imediatistas, parece-nos, sem dúvida, a tarefa que teremos que assumir como sociedade, como membros do soberano. E é nosso dever cidadão exigir, junto aos que representam o nosso poder soberano, a construção dos projetos e das ações na direção do horizonte para o qual pretendemos caminhar.
*Celito Meier é teólogo, filósofo e educador