*Pe. Alfredo J. Gonçalves
Atire a primeira pedra quem nunca projetou sua própria estátua. Estátua de bom desempenho na profissão, de bom jogador, advogado, juiz, motorista, padre; de boa bailarina, modelo, empresária, costureira... Ou, por exemplo, da “perfeição religiosa”. São imagens virtuais e idealizadas que vamos cultivando nos pequenos vôos da imaginação, colocando-as sobre o pedestal. Ainda bem que o fazemos, pois o olhar fixo no ideal ajuda a orientar os passos na direção do horizonte.
Mas, da mesma forma que as de bronze e ferro, mármore ou pedra, também a estátua virtual está sujeita à devastação das intempéries. A ação do vento, da chuva ou do sol vão lhe corroendo lentamente o material. Ou então uma tempestade repentina reduz a estátua a um monte de escombros. Pro outro lado, o povo que ergue um monumento a um determinado herói é mesmo que o derruba, numa reviravolta política.
Lá se vão mais alguns anos (ou décadas?) para juntar os cacos e reconstruir a estátua, tentando reerguê-la sobre o pedestal. Nem este nem aquela, porém, serão os mesmos. Os pedaços não se ajustam da mesma forma, não encaixam como antes. O vendaval varreu os contornos antigos e deixou novas marcas. O tempo é outro, o processo tomou novas veredas e a estátua também há de ter outra forma.
Do ponto de vista da Vida Religiosa Consagrada, a edificação da estátua normalmente passa pelo conceito distorcido de “perfeição”. E aqui há um desvio duplo do caminho: ou a busca da perfeição se torna um fardo pesado e inalcançável, o que irá afetar negativamente a autoestima; ou desenvolvemos uma máscara de vida consagrada dissociada da realidade diária, o que facilmente cai na hipocrisia, justificando a expressão de “sepulcros caiados” que Jesus atira contra os fariseus e saduceus.
Dois extremos bem conhecidos frente a um ideal por vezes descolado dos embates cotidianos. É assim que a noção de perfeição, na vida consagrada, em não poucos casos, acaba por conduzir a um beco sem saída. Na dificuldade de alcançar o ideal exigido, o/a religioso/a passa a achar-se indigno/a. “Eu não fui feito para isto”! Daí ao complexo de inferioridade e à depressão, o caminho não é longo. Do outro lado, o/a religioso/a constrói uma espécie de redoma de vidro para proteger-se dos perigos do mundo, colocando-se acima dos simples mortais. Dois pólos opostos que contrastam frontalmente com a prática de Jesus e dos fundadores e fundadoras.
Uma rasteira na vida, no processo de espiritualidade, na missão ou na convivência comunitária basta para que a autoestátua desabe. Rasteiras comuns, especialmente em tempos de crise e de ventos contrários. Daí a importância de distinguir entre “modelo” e “inspiração”, conforme a observação de Jürgen Moltman. Jesus Cristo, em primeiro lugar, e o Fundador/a, em seguida, são inspiradores de uma vida consagrada ao Reino, aos pobres e ao amor fraterno, mas isso não significa tê-los como modelos a ser imitados. Se o fizermos, necessariamente nos sentiremos sempre muito aquém do ideal escolhido e muito pequenos diante de figuras tão fulgurantes.
Se, por um lado, o Mestre e o Fundador/a são inspiradores de um determinado carisma e nos deixaram essa herança, por outro, nossos modelos mais próximos e acessíveis, são antes nossos irmãs e irmãs, religiosos e religiosas, que deixaram suas marcas na história, através de uma vida exemplar. Ou que silenciosamente trabalham ao nosso lado! Constituem mediadores mais à mão para orientar nosso próprio caminho de vida consagrada. Claro que o horizonte é sempre o Cristo da cruz e da ressurreição, bem como o Fundador/a da ordem, congregação ou instituto. E é importante manter “os olhos fixos em Jesus” e na inspiração inicial do carisma.
Mas, entre minha caminhada pessoal e esse horizonte, há degraus intermediários. Há irmãos e irmãs que nos ajudam a superar barreiras do cotidiano. Entra em cena a virtude da humildade. Conhecendo nossas limitações, fraquezas e dificuldades, utilizamos os exemplos desses irmãos e irmãs para subir de degrau em degrau, sem a pretensão de queimar etapas ou de pular a escada de um salto único. O horizonte é necessário para orientar os passos em direção ao farol, mas a luz deste pode nos cegar por orgulho ou autossuficiência. Cresce a estátua, mas cresce igualmente o risco de uma rasteira que venha reduzi-la a pó.
O mais sábio é vencer obstáculo a obstáculo, passo a passo. Na história de cada instituto religioso podemos encontrar pessoas que nos servem de “trampolim” para avançar em direção à meta. São nossos modelos mais imediatos. Quanto à inspiração fundadora será sempre a fonte onde a água é mais cristalina. Mas, a ânsia de chegar até ela pode nos asfixiar e afogar na prepotência. O segredo é o mútuo reconhecimento de nossa condição humana, acompanhado da mútua ajuda para superar o que impede uma fraternidade mais franca, uma espiritualidade mais transparente e uma missão mais transformadora.
*Pe. Alfredo J. Gonçalves é assessor das Pastorais Sociais