*Pe. Alfredo J. Gonçalves
Lisboa não é apenas a capital de Portugal. É também a porta de entrada da Europa. O Tejo com as duas margens representa como que dois braços abertos a quem chega. A foz do rio e a luz do sol parecem facultar a chegada a quem busca a “cidade das sete colinas”. Mas as aparências enganam. Por trás desse sorriso largo e aberto do rio, do céu e do mar, há leis rígidas e cada vez mais restritivas para os recém-chegados. Logo no aeroporto a cara da cidade mostra seu lado mais sombrio e carrancudo: a porta se fecha, as exigências crescem, revelando uma política migratória pouco ou nada acolhedora para os que procuram fixar-se em terras do velho continente. Rapida e inexoravelmente, a lágrima pode substituir o riso, pois, no dizer do escritor José Saramago, ambos moram muito perto.
No pano de fundo dessa política estreita e seletiva, como uma peneira, há a pressão dos demais países da Comunidade Europeia. A ordem é neutralizar a entrada em massa de novos imigrantes, tanto através de Portugal como da Espanha, Itália, Grécia, etc. Em pouco tempo, os estrangeiros se dão conta que os “extra-comunitários” não são bem vindos, pior ainda quando se originam no sul do planeta: África, Ásia e América-Latina. Além de disputar postos de trabalho cada vez mais raros, dizem os cidadãos europeus, os estranhos amedrontam e interpelam uma sociedade há séculos estabelecida sobre velhos e enferrujados trilhos. Por natureza e por instinto, os acomodados temem qualquer ideia de novidade.
A crise da economia global, que, a partir de 2008, atinge especialmente o coração dos países centrais, torna ainda mais difícil o acesso à Europa. Na verdade, logo após os atentados de 11 de setembro de 2001, em New York, EUA, a capital portuguesa se converteu numa opção para não poucos brasileiros que, anteriormente, se dirigiam preferencialmente aos Estados Unidos. Opção de passagem tanto para o próprio Portugal quanto para outros países da Comunidade. Mas, de uma forma marcante e extensiva, essa opção se inverteu. Hoje são muitos os brasileiros residentes em Portugal que tentam retornar à própria pátria, notadamente trabalhadores com alguma experiência em construção civil, como os mestres de obras, por exemplo.
Mas não é só isso. Boa parte de cidadãos portugueses fazem de Lisboa não a porta de entrada, mas o ponto de saída na direção de um eldorado futuro. Seu destino, entre outros, é sobretudo o Brasil. Além desses, é grande o número de franceses, espanhóis e chineses que buscam a margem oeste do oceano Atlântico. Entre os lugares de destino desses novos emigrantes, destaca-se novamente o Brasil. Isso se explica facilmente pelo conceito de país emergente, integrante do grupo BRIC (Brasil, Rússia, India e África do Sul).
No noticiário e na midia em geral, o Brasil aparece como uma economia aparentemente blindada contra as ondas devastadoras da crise mundial. O crescimento é relativamente tímido, no confronto com os demais países do BRIC, mas, a acreditar nas autoridades, a nave continental brasileira navega em águas mais ou menos serenas. Diversos fatores convergem para isso, tais como a elevação progressiva do preço das comidities, o alto consumo da chamada ”nova classe média”, as fontes alternativas de energia... Estas e outras motivações atraem novas levas de imigrantes.
Disso resulta que dois aspectos primordiais parecem caracterizar o fenômeno migratório no Brasil de hoje. De um lado, o retorno mais ou menos expressivo de cidadãos brasileiros que, em décadas passadas, haviam buscado melhores condições de vida nos Estados Unidos, Europa, Japçao e Austrália. Os mares bravios e as ondas sombrias que se abateram sobre a economia dos países centrais os devolveram às margens da própria nação. Parte deles volta com algo no bolso e alguma esperança na alma, outros aportam à terra natal mais carentes do que no momento da partida. Vêm do Japão, dos Estados Unidos, de Portugal e outroas países da Europa.
De outro lado, a mobilidade humana está mudando atualmente o mapa do Brasil. Historicamente foi um país de forte imigração: portugueses, italianos, polacos, alemães, japoneses, coreanos, e tantas outras etnias aqui vieram construir o seu futuro. A estes povos, deve-se acrecentar a multidão de africanos que foi trazida à força como mão de obra escrava para o eito, a mina e a cozinha. A partir do final da década de 1970 e início dos anos 80, o Brasil, sem deixar de receber imigrantes, torna-se um país de emigração. Aproximadamente 3 a 4 milhões de brasileiros procuraram então os países centrais por motivos socieconômicos. Trata-se de um montade pequeno em termos relativos, mas acentuado para um país culturalmente temperado por uma imigração multiétnica e pluricultural.
Dois outros aspectos de menor monta marcam, ainda, o mapa das migrações no território brasileiro. Primeiramente, desde algumas décadas continuam chegando nutridos fluxos de hispano-americanos. Durante as ditaduras militares do Cone Sul, os imigrantes vizinhos vinham especialmente do Chile, Argentina, Paraguai e Uruguai, e se refugiavam no Brasil por motivações marcadamente políticas. Passado o regime de exceção em todos os países da área, os imigrantes buscamo país por razões majoritariamente socioeconômicas, e se originam mais que tudo dos países do altiplano: Peru, Equador, Bolívia, Colômbia... Acrescente-se um número expressivo de haitianos que recentemente entrou no país pela região amazônica, radicandos-e gradualmente em diferentes estados.
Não podemos esquecer, em segundo lugar, os grandes deslocamentos internos, seja de forma temporária ou sazonal, em direção às safras agrícolas da cana-de-açucar, laranja, café... e em direção aos grandes projetos e obras de construção civil, seja como migração definitiva do campo para a cidade, ou em direção à zona turística da orla marítima. De acordo com o último senso, a população urbna brasileira se aproxima da cifra percentual de 85%. Aliás, no interior mesmo do país, por uma série de fatores, é cada vez mais expressivo o vaivém de pessoas entre origem e destino ou entre o local de moradia e trabalho e vice-versa.
*Pe. Alfredo J. Gonçalves é Assessor das Pastorais Sociais