O tema do desenvolvimento regional, inscrito na Constituição de 1988 (art.3º, III) sob a rubrica da redução das desigualdades regionais, não despertou, no cenário de atuação dos profissionais do Direito, a mesma empolgação que outros temas, tais como a dignidade da pessoa humana, a cidadania, o pluralismo político ou a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e as promessas de garantia do desenvolvimento nacional e da promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Tantos temas incorporaram-se ao cotidiano do debate social, repetidos à exaustão, nem sempre com níveis de compreensão adequados. Tornaram-se lugar comum nas referências, mesmo em conversas mais descontraídas. Mas o desenvolvimento regional não conseguiu tal status entre profissionais do Direito. Por quê?
A raridade e equivocidade da referência dos nossos constitucionalistas ao tema talvez derive exatamente de um vislumbre economicista, ao modo do discurso do Ministro Delfim Netto, por época do regime militar, de “fazer crescer o bolo, para depois dividi-lo”. Essa visão do desenvolvimento, parcial e excludente, parece ter se tornado um referencial tão arraigado, que não permitiu discussão; firmou-se como postulado do discurso oficial, de irrefletida repetição em diálogos no meio social, tornou-se uma aparente verdade, até não suportar o peso de si mesma. Entretanto, e curiosamente, ainda mantém um enorme número de seguidores, que não conseguem se desvencilhar da armadilha intelectual que a singeleza da formulação esconde.
Em verdade, a apreciação do desenvolvimento como superação de pobreza, em abordagem unidimensional, lastreada no critério renda, continua a presidir o pensamento de tantos e encontra síntese na formulação do Ministro Delfim Netto. Além de ultrapassada, a apreciação unidimensional escamoteia aspectos diversos, pois ignora propostas como a de Amartya Sen, relativa ao que se denomina resumidamente “Human Capabilities”, ou seja, Abordagem de Desenvolvimento Humano, que conta diversos aspectos de direitos humanos.
Há, portanto, no entendimento mais recente, estreita afinidade entre desenvolvimento e direitos humanos, o que ainda não se converteu em conhecimento socializado e nem alcançou projeção suficiente a substituir a ruinosa concepção, ainda presente no senso comum dos nossos profissionais e do nosso povo, cujo mote é contemporâneo do milagre econômico brasileiro, típico do período de cerceamento da consciência cívica nacional.
O ranqueamento das economias nacionais, no cenário internacional, habitualmente mascara realidades infaustas, permitindo, entretanto, reações ufanistas de interesse governamental, a tornar o povo orgulhoso de uma grandeza fantasiosa. Dados de 2011, do Centre for Economics and Business Research (CEBR), amplamente difundidos, afirmam a posição brasileira de 6ª economia mundial, encobrindo a realidade de sermos o 77º país em PIB per capita (Produto Interno Bruto, em paridade de poder de compra, dividido pela população), de acordo com relatório da CIA World Factbook, de janeiro de 2012. Os números do desempenho econômico de um país, considerando apenas o ranqueamento por sua expressão no cenário internacional, não representam, necessariamente, desenvolvimento, como a classificação PIB per capita suficientemente demonstra. Há uma questão ética entrelaçada com a noção de desenvolvimento, como assinala Bernardo Kliksberg, apontando para a existência de uma “pobreza paradoxal”, que convive com países e regiões de grande potencial produtivo de alimentos e matérias primas (vegetais e minerais) em que largas faixas da população encontram-se em situação de alta insegurança alimentar.
Modelos de desenvolvimento centrados exclusivamente na economia, sem o compromisso ético de elevação dos níveis de vida da população, com maior acesso a alimentação, saúde, escolaridade, transporte, emprego e renda, moradia, serviços básicos de saneamento, fornecimento de água potável e energia, são excludentes e não participam do esforço atual de superação das causas de marginalidade, de exclusão de cidadania, das causas da desigualdade e da corrupção. Reconheça-se: marginalidade e exclusão de cidadania, desigualdade e corrupção andam de mãos dadas e são fatores de subdesenvolvimento e inviabilização de realização do potencial de cada membro da população.
O vocábulo desenvolvimento comporta, hoje, um conteúdo multidiversificado, que abrange economia, política, instituições, cidadania, igualdade, saúde, cultura, preservação e ampliação da vocação econômica local e dos arranjos produtivos locais etc. A jurisdicização do tema, com inserção constitucional, complementada pelo adjetivo regional, está a merecer consideração holística dos nossos constitucionalistas, de modo a satisfazer, no plano jurídico, a amplitude que a matéria alcançou em outros ramos do conhecimento.
*Bruno Terra Dias é presidente da Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis)