“Eu e minhas circunstâncias”, expressão célebre do filósofo Ortega y Gasset. Hoje “minhas circunstâncias” chamam-se som, ruído, barulho, rádio e TV ligados. Impõe-se o mundo da exterioridade ruidosa em oposição aos silêncios rurais de outrora. A voz dos pássaros, o mugir do gado, o farfalhar das árvores, o trovejar em dias de tempestade, carregados de natureza, foram substituídos pelo ruído dos aparelhos tecnológicos.
Há sons que pedem silêncio, que provocam meditação e concentração; há sons que rompem a interioridade, que rasgam a intimidade, povoando o ambiente de puro ruído. Cada vez mais caminhamos para a sociedade do barulho, gerado pela tecnologia.
Que passa dentro de nós? Perdemos a capacidade de silêncio, de meditação, de ruminar ideias e sonhos. Aguçamos o ouvido para a enxurrada interminável de informações, de conhecimentos feitos, de notícias sensacionalistas. Modificamos o sistema receptor interno. Antes ele sintonizava com o ritmo lento e intermitente dos ruídos da natureza. Sobravam-lhe, depois de digerir o mundo exterior, tempo e tranquilidade para encontro com a profundidade de si. Na expressão de De Masi, gozava-se de ócio criativo.
Aumentam os decibéis das músicas, das propagandas, dos noticiários a ponto de quase ensurdecer-nos os sentidos externos e de bloquear-nos a interioridade.
Tal fenômeno atinge fortemente já bem cedo as crianças e adolescentes. Antes que os seus olhos se deparem com as letras, ocupam-lhes a mente e a fantasia as imagens televisivas e sons radiofônicos. O processo lento do pensar, do cultivo dos sentimentos, da degustação da poesia por meio de textos escritos cede espaço para o rápido atalho do mundo sonoro e imagético.
Sofremos a febre de pequenas pesquisas em busca de associações de dados. Cebola baixa pressão arterial? Vem logo uma pesquisa de algum laboratório interessado em tal relação. E assim infinitas ilações se constroem. Arriscaria de provocar uma ligação. Será que o mundo do barulho, já bem cedo abatendo-se sobre as pessoas, não favorece a violência? Haverá nexo causal entre ruído e violência, entre barulho e brutalidade? E, pelo contrário, o silêncio propicia calma, serenidade, suavidade de comportamento?
Numa escola inglesa, introduziu-se no início das aulas um momento de silêncio meditativo. Cada aluno, conforme a própria religião ou ideologia, ficava um tempo em silêncio de contemplação. E o resultado trouxe a baixa de violência entre os escolares. Coincidência ou relação causa-efeito?
Não nos custa nada experimentar. Se instituições educativas introduzissem e adestrassem os alunos no exercício do silêncio, da contemplação, quem sabe que muita selvageria praticada em várias escolas desapareceria ou, pelo menos, baixaria o índice de incidência?
No torvelinho de tantas formas de terapia, não caberia a “terapia do silêncio”? O fazer calar fora de si todo ruído deixa a pessoa desarmada, desocupada. E que passa? As únicas vozes procedem do interior, dos desejos, dos sonhos. E a verdade de si vem à tona. Temos coragem de enfrentá-la ou preferimos mergulhar-nos na inconsciência e alienação do barulho? O dilema põe-se entre a fuga e a consciência, entre a verdade e a ausência de si, entre o viver na periferia do barulho ou na profundidade do eu. Para onde queremos educar a nova geração?
*João Batista Libânio é teólogo jesuíta