Quem gosta de futebol sabe quem é Pagão: um gênio da bola, o primeiro companheiro de Pelé, que acabou deixando os gramados de tanto que levou pancada (e nunca reagiu). Foi o maior ídolo de Chico Buarque de Holanda, que, garoto, ia ao Pacaembu sem dinheiro para o ingresso, esperava a abertura dos portões no segundo tempo e só então entrava, e apenas para ver Pagão.
Num certo jogo, alguém dividiu uma bola e o zagueiro adversário caiu no chão, machucado. A bola sobrou para Pagão, sozinho na frente do gol. Ele não quis se aproveitar da situação: elegantemente, colocou a bola para fora. Poderia ter feito o gol. Era legal e o jogador adversário poderia ser atendido do mesmo jeito. Mas como enfrentar sua própria consciência?
No Governo Itamar Franco, seu principal auxiliar e amigo Henrique Hargreaves sofreu uma acusação. Itamar o afastou até que o caso fosse investigado. Não havia nada contra ele; e, inocentado, Hargreaves voltou ao cargo. Durante o processo, ficou longe do palácio: não ficaria bem uma pessoa sob suspeita dando ordens no Governo.
E aí chegamos a José Genoíno. É legal ele tomar posse, mesmo condenado em última instância, já que faltam algumas formalidades para que ele seja enviado à prisão, em regime semiaberto. Legal, é; como seria legal se Pagão tivesse feito o gol, se Hargreaves tivesse se mantido no cargo. Mas ambos, em papéis diferentes, tinham consciência do que é comportamento ético.
Já Genoíno tomou posse. Ele, que violou a lei, agora irá votar as leis.
Da Internet
Comentário de um internauta: “Genoíno diz que se sente à vontade para assumir o mandato. Entendo! Eu é que não me sinto bem.”
Lembrar sempre
Além do petista Genoíno, estão na Câmara Federal mais quatro parlamentares condenados, três no processo do Mensalão - Pedro Henry, PP; João Paulo, PT; Valdemar Costa Neto, PR - e um por desvio de dinheiro público (peculato) e formação de quadrilha, Natan Donadon, PMDB.
Todos pertencem à base de apoio ao Governo de Dilma Rousseff. E há quem fale mal do ex-presidente Lula: foi ele o primeiro a dizer que no Congresso havia 300 picaretas. Agora são 304.
Quem tem, cuida
O deputado Natan Donadon pode ser preso a qualquer momento. Para evitar surpresas, nas raras ocasiões em que vai ao Congresso só entra depois que sua equipe precursora vistoria os corredores e o gabinete, para dar-lhe a certeza de que não há policiais nem oficiais de Justiça por ali.
Dá trabalho, custa caro (para nós, contribuintes, que pagamos a conta) mas pelo menos ele fica tranquilo.
Os lá de cima
Saiu, e já foi publicada no Diário Oficial da União, a aposentadoria da ministra Ideli Salvatti como senadora. Ideli exerceu um único mandato no Senado e, por isso, tem direito à aposentadoria mensal de R$ 6.100. Como a aposentadoria começou a contar em maio do ano passado, recebe também a bolada retroativa de R$ 42 mil. A esse dinheiro não se aplica o teto dos salários federais: como ministra, eventualmente como membro de algum conselho de estatal, tudo entra direitinho na sua conta bancária, sem qualquer limite.
A verba e o verbo
Há pelo menos quinhentos anos sabemos que, nesta época do ano, chove forte no Estado do Rio. Há três anos, nessa época, há desastres com destruição de bairros inteiros, mortes, desabamentos, muito, muito sofrimento.
A tragédia que se repete não é, portanto, inesperada: o que falta é disposição para enfrentar os problemas (disposição que não falta ao governador fluminense Sérgio Cabral, do PMDB, para viajar ao Exterior e protagonizar cenas ridículas como a da Turma do Guardanapo, em que homens dançavam com guardanapos na cabeça e suas excelentíssimas senhoras levantavam os pés, para mostrar as solas vermelhas dos caríssimos sapatos Louboutin que faziam questão de exibir).
Falta dinheiro? Talvez - o que se sabe é que, das verbas federais para prevenção de desastres e socorro às vítimas, só 32% foram utilizados em 2012, de acordo com o portal especializado Contas Abertas. Culpa federal? Talvez - mas só em parte: há verbas, mas se não houver projetos locais o dinheiro não poderá ser aplicado.
A verdade de Pagodinho
Zeca Pagodinho provavelmente está rico (e com todo o merecimento), poderia ter esquecido sua Xerem natal, quem sabe nem lembrar dos que foram seus vizinhos. Mas Zeca Pagodinho é gente: pisou no barro, removeu entulho, ajudou a salvar pessoas em risco, trabalhou pesado. É o herói dessa tragédia do Rio.
E que é que pensa Zeca Pagodinho das autoridades que, mais uma vez, não tinham tomado qualquer providência para proteger os moradores e suas casas?
“Dá nojo de político, dá nojo dessa gente bandida”.
Copacabana, terceiro andar
Dois milhões e meio de pessoas na praia de Copacabana, 2,3 milhões na Avenida Paulista, um milhão em Fortaleza.
Beleza. Só que não cabe tanta gente.
*Carlos Brickmann é jornalista