Vai-se distante o tempo que um grande pensador dizia que o Brasil daria ao mundo o homem cordial. Sempre achei bonito o termo, cordial. E, às vezes o achei ideal para substituir outro, candura. Sei que esses termos soam como antigos, ultrapassados, linguagem de idosos, algo incomum para a juventude acostumada à tecnologia e aos avanços cibernéticos.
Sempre ouvimos dizer que o papel aceita tudo. “Em partes” direi eu, pouco adepto a essa linguagem cibernética. Quem aceita tudo é o computador, em que pese o rigor com que reage, sempre que tocamos a tecla errada, e ele não nos obedece. No tocante à linguagem técnica ele é rígido, e não permite nada além do estipulado nos seus programas. Predomina a sua vontade, e ele reage à sua maneira, simplesmente deixando de cumprir as nossas ordens.
No entanto, no que se refere ao conteúdo das mensagens veiculadas, não existe a mínima restrição. A máquina não dispõe de filtros, nem de métodos que impeçam os absurdos ali veiculados. E é exatamente aí que mora o perigo. E a isca está lançada, à espera do incauto navegador do mundo eletrônico.
Alheio aos perigos a que se expõe, o incauto internauta fica à mercê do crime embutido na falsa mensagem voltada para a pedofilia, no vandalismo cibernético, na falsa imagem criada para iludir, ou vender personagens irreais em busca informações pessoais que poderão ser usadas pelos desonestos de plantão. Somado a isso, ela traz outra realidade, truncada, absurda e certamente maléfica às regras do idioma e aos digamos, bons costumes.
Enquanto cria e expande uma linguagem própria, concisa, cheia de novos códigos, todos voltados para a maior velocidade do canal de informações, o sistema torna rotineira a linguagem chula. E o palavrão sai do computador com a mesma normalidade, com a mesma rotina em que é pronunciado nas ruas, nos lares, nas escolas e, em alguns casos, até nos meios de comunicação. E, quase que automaticamente, joga por terra a afirmação de que teremos o tal cidadão cordial.
Na busca por mensagens cada vez mais cifradas, resumidas, o adepto da tecnologia transgride as regras do idioma, cria um novo vocabulário. E de erros em erros, ele vai se adequando a uma forma de se expressar, pouco ou nada preocupada com aquilo que foi ensinado nas aulas de português.
Sei que alguns educadores começam a aceitar essa prática como um avanço da comunicação, esquecendo-se ou fingindo esquecer que a realidade da tecnologia, pelo menos até agora, não foi traduzida para os dicionários, a ponto de criar novas regras.
E é exatamente aí que podemos detectar o problema. Ao contrário dos computadores, nem sempre o papel aceita tudo. E exemplos podem ocorrer em um teste para uma empresa, ou em uma redação para vestibular. Se o papel aceita a linguagem cibernética na redação, talvez o mesmo não ocorra com o responsável pela correção das provas. E aí, não há cristão que aguente os absurdos.
E, como o hábito faz o monge, como diziam no passado, os monges atuais não serão aprovados no primeiro teste para uma vida pouco ou nada relacionada com a religião. E, feitas as contas, quando perguntamos que país estaremos deixando para as futuras gerações, temos que aceitar uma pergunta paralela, que sempre nos coloca na defensiva: “e que espécie cidadão estamos preparando para esse futuro?”.
E, respaldados no que vemos e ouvimos hoje, infelizmente fica difícil dar boas notícias aos interessados na resposta, e muito menos garantir a existência do tal homem cordial.
*Vitor Sapienza é deputado estadual (PPS), presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia e Informação, ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, economista e agente fiscal de rendas aposentado. Acesse: www.vitorsapienza.com.br