É antiga a fábula hindu em que um escorpião tentava atravessar um rio e, por não saber nadar, pediu auxílio a uma rã. Precavida, a rã argumentou que não poderia ajudá-lo com receio de que, durante o trajeto, ele poderia atingi-la com o seu ferrão mortal. O escorpião disse que aquilo não teria lógica, uma vez que, não sabendo nadar, se matasse a rã ele também morreria. A rã se convenceu e permitiu que o escorpião subisse às suas costas, e iniciou a travessia.
No meio do rio, sem poder resistir aos seus instintos, o escorpião soltou uma ferroada na rã, que agonizante perguntou onde estava a sua lógica, e o escorpião, também se afogando, respondeu: - Não é lógica, minha querida, este é o meu caráter.
Caráter. Termo comum, rotineiro, porém nem sempre levado a sério. Citei a fábula para comparar ao que vimos recentemente, quando um universitário discutiu com um motorista de ônibus, e o teria agredido com o coletivoem movimento. Ofato aconteceu no Rio de Janeiro, mas poderia ter acontecido em São Paulo, Minas, Bahia, em qualquer parte do nosso país. O resultado foi a queda do ônibus de um viaduto, sete mortos e alguns feridos graves. E a fábula hindu veio à mente, não apenas pela fácil associação com o caso, como também como forma de analisar o comportamento desse jovem.
Deixemos de lado a sua condição de universitário. Pensemos no todo, no comportamento de uma sociedade em que a violência é aceita com naturalidade, como se, numa catarse coletiva nos contentássemos com a falta de sorte dos que foram atingidos pelo infortúnio. E, em silêncio, poderíamos dizer que felizmente a tragédia aconteceu com os outros, nunca com a gente. Aceitamos e ficamos à espera de outra tragédia, de modo a desviar a atenção da anterior.
As mudanças sofridas pela nossa sociedade se acentuam. Aos poucos desapareceram os conceitos de hierarquia, respeito, responsabilidade, apego às coisas sagradas; a família se desagrega, o respeito aos mais velhos virou coisa do passado, a mulher aceita a vulgaridade como algo normal, e o chulo virou rotina, tanto na rua como no rádio e na TV, no cotidiano do vocabulário, na música, na arte. Rotina, pura rotina.
Na mesma proporção em que absorve os avanços da tecnologia, os nossos jovens - com a complacência dos mais velhos-, aceitam a mensagem hermética, sem conteúdo. Cantam o que a mídia lhes incute na mente, entre um rebolado e outro, as tais “cachorras” abrem mão da maravilha nata do feminismo, abraçam a sensualidade chula e saem repetindo a mesma linguagem há muito rotineira no alambrado do estádio de futebol. A violência, o palavrão, a ofensa e a agressão são pedras minúsculas do imenso mosaico sem conteúdo que é o todo. E fatos como o que resultou na queda do ônibus, depois de uma briga, não são de se estranhar.
E nesse imenso vazio, temos que aceitar a nossa condição de impotentes, apesar do cargo que o Parlamento nos oferece. Estamos em um caminho sem volta e a família, que deveria raiz de tudo, mostra-se cada vez mais fragmentada. E temos que aceitar que o tempo passou, e somos obrigados a mostrar a nossa resignação ante a realidade que a velhice nos impõe. Triste realidade.
*Vitor Sapienza é deputado estadual (PPS), presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia e Informação