Houve tempos em que os amores juvenis se pautavam pelo modelo Romeu e Julieta. Quanto maior a adversidade, maior a firmeza, a fidelidade. Havia o sentimento de compromisso que superava as maiores dificuldades. “O amor é mais forte que a morte”. Tal atitude valia também de outras muitas realidades. Faltar à palavra envergonhava qualquer pessoa responsável.
Passaram-se os tempos. Entramos na sociedade do descartável. Pouco a pouco a consciência se acostuma com as mudanças, com a sucessão rápida das coisas, com a surpresa das novidades. Tal realidade entra-nos pelos olhos. Transforma-se em cultura. Começa a reger-nos o código de interpretação, compreensão e ação do mundo. E assim as relações humanas se regem pela fragilidade do descartável. E os jovens tornam-se as primeiras vítimas.
Revela aspecto doentio da cultura. Se, de um lado, se tem a impressão de maior liberdade, do outro, porém, a vida se faz pesada e incerta. Pois não sabemos se entramos em trem que vai até a estação final ou se no caminho ele resolve tomar outra direção. Imaginemos viver numa sociedade em que as direções indicadas nos ônibus, nos metrôs, nos aviões fossem simplesmente provisórias e no desenrolar da viagem se modificassem. Que loucura!
Pois bem, algo semelhante tem-se passado no mundo das relações humanas. Alguém enceta relacionamento em vista de futuro em comum, aposta nele, envolve-se afetivamente com ele, investe nele muita energia. E de repente, por vontade arbitrária de uma das partes, tudo se desfaz.
Tais experiências têm desestruturado muita gente. O lado sadio da sociedade e da cultura começa a reagir contra. E isso, de novo, acontece no mundo jovem. Já há mais jovens que não simplesmente querem experimentar relacionamentos fugazes, sem futuro, só presentes, numa palavra “ficar”, mas percebem a importância de compromissos sérios, duradouros.
Tanto a antropologia quanto a teologia lançam luzes sobre a dupla experiência da fugacidade vivida e da permanência desejada que revela uma das tensões fundamentais do ser humano. A origem esbarra na condição corpóreo-espiritual e justo-pecadora. Enquanto corpo, o ser humano participa da instabilidade dos humores, das contínuas mudanças materiais. Enquanto pecador, ele sofre da fragilidade da vontade, da sedução fácil de qualquer sonho ilusório. Aí a constância, a fidelidade soam desafio, tarefa pesada. Mas como espírito, ele se abre ao infinito. Inquieto, mas desejoso da estabilidade do repouso. Só o amor firme o satisfaz.
Tal vivência não se faz no dualismo de maneira que se pudesse viver uma das experiências, mas na tensão da dualidade de única pessoa. O corpo e o espírito, a graça e o pecado, somos nós. Sempre. Por isso, trata de jogo de educação e de integração. Graça e espírito debatem-se com a materialidade e a pecaminosidade. A pessoa humana não se realiza a não ser vivendo na corporeidade e na condição de pecadores o esforço contínuo de manter as relações a que o espírito e a graça em nós aspiram. E essas nascem do amor. E o amor por íntima exigência deseja eternidade, quer eternidade, é eternidade (J. Ratzinger).
*João Batista Libânio é teólogo jesuíta