Dona Judith está aposentada, depois de décadas de dedicação ao ensino em escolas públicas da zona leste paulistana. Ao longo do tempo ela foi acumulando experiências com crianças, principalmente filhos de famílias carentes que jogavam para a escola a responsabilidade de fazer delas, cidadãos de bem. Foram inúmeros os êxitos alcançados, quase na mesma proporção das frustrações provocadas pelas dificuldades comuns da periferia.
Autora de uma extensa lista de sugestões e críticas, algumas delas respondidas pelas autoridades do ensino, a professora mostra-se frustrada quando expõe o que levou às autoridades e que nunca foi colocadoem prática. Acostumadaa receber em sala de aula crianças de estômago e cérebros vazios, ela procura meios para publicar um livro apontando soluções, críticas e sugestões para aprimorar o ensino público.
Em uma conversa franca, a professora mostra-se otimista na medida em que vê muitos de seus antigos companheiros ainda na ativa, tentando transformar a sociedade, formando homens e mulheres de bem, embora sintam que já não têm o mesmo entusiasmo de outrora. Adepta do velho chavão de que enquanto há vida há esperança, ela mostra as deficiências no atual conceito de progressão continuada. E aponta as falhas que, a nosso ver, poderiam merecer atenção por parte dos nossos educadores.
Ela exemplifica de maneira bem simples, dizendo que em uma sala de trinta alunos, se existir meia dúzia que não consegue acompanhar os demais, esses alunos irão normalmente para a série seguinte, mas nunca nas mesmas condições que os seus colegas. E ali surgirá o problema, adverte a educadora. O professor ficará em dúvidas sobre a quem irá dedicar a sua atenção, se ao pequeno grupo que foi beneficiado pela progressão, ou aos demais.
Sem a atenção privilegiada do educador, certamente o pequeno grupo irá acumular perdas. Ao final do período escolar, certamente essas perdas poderão resultar em mais gente despreparada, que estará em desvantagem na competição natural do mercado de trabalho. E na somatória de carências, a educadora mostra a sua preocupação, uma vez que as oportunidades vão se tornando mais escassas.
E é exatamente aí que a professora Judith aponta a gravidade do problema: “se existe uma defasagem na formação hoje, certamente ela se manifestará com maior intensidade no futuro, e esse jovem que foi beneficiado agora, pagará a conta depois”.
O fato é que, para quem viveu e foi educado no sistema antigo, com a constante cobrança de resultados, fica difícil aceitar que jovens saiam das escolas com um nível de aprendizado muito aquém do que fomos acostumados. Nesse quadro, embora o Governo invista em criar escolas técnicas, medida louvável, uma vez que estamos carentes de pessoal especializado, corremos o risco de ver concretizadas as preocupações da professora Judith. Sim, porque as falhas de hoje podem ser consideradas cortes, e como diz um velho ditado, os cortes na educação não cicatrizam jamais.
*Vitor Sapienza é deputado estadual (PPS), ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, economista e agente fiscal de rendas aposentado