Houve um tempo, infelizmente distante, que as crianças ganhavam alguns porquinhos de barro ou porcelana, e desde os primeiros anos de vida eram incentivadas a economizar. Sei de muitos casos em que, de maneira desastrada ou proposital, esses cofres viraram poeira e, depois de muito protesto e represálias por parte dos pais, parte das moedas acumuladas seria gasta na matinê de domingo, ou em alguns casos, na compra de algum tipo de doce, na entrada da escola, ou para aquisição de balas que traziam figurinhas auto-adesivas em que jogadores de futebol eram retratados.
Reconheço que as crianças daquele tempo não eram tão espertas como as de hoje, nem dispunham de nada que se assemelhasse à tecnologia que invade os nossos lares e que virou rotina no cotidiano infantil. No lugar das calculadoras, decorávamos a tabuada; no lugar do computador, tábua de logaritmos; no lugar da pesquisa pela internet, a visita à distante e rara biblioteca pública.
A grande diferença é que éramos obrigados a exercitar a mente com mais intensidade. Sei que é um tempo que se vai distante, sem o conforto de hoje, mas que tinha as suas vantagens. Começávamos a trabalhar mais cedo, éramos incentivados a poupar e não tínhamos os índices de violência de hoje. Aprendíamos desde cedo que não devemos gastar mais do que ganhamos e qualquer dona de casa sabia que a economia doméstica é a principal diretriz para o êxito de uma família. Sim, da família, porque aprendíamos que, ‘onde falta pão, todos reclamam, e todos têm razão’.
Assim, trazendo esse aprendizado para os nossos dias, ficamos fazendo comparações com o que temos. Vemos o Governo incentivando o consumo, enquanto vira as costas para a produção. Um Governo que abre as portas do país às quinquilharias chinesas, quase sempre descartáveis e de qualidade duvidosa, enquanto assiste impassível ao sucateamento de nosso parque industrial.
E o retrato disso está aqui, ao nosso lado, mas pode ser visto em todos os cantos do país. Fiquemos com a São Paulo que um dia foi classificada como a cidade que não podia parar. A cidade mudou, abandonou as características industriais e adotou a prestação de serviço. Caiu a renda média do trabalhador e, do tempo que se vai distante, sobraram não mais que meia dúzia de chaminés, algumas como recordação, outras como esquecimento, outras à espera do próximo empreendimento imobiliário.
Do tempo antigo, quando as chaminés despejavam a fumaça nos céus, brigando contra a garoa, resta pouca coisa: a nostalgia que consola aqueles que viveram essa época e a certeza de que nada será feito para uma volta ao passado, ou para a recuperação do terreno perdido. Pelo andar da carruagem, dá para sentir que o nosso porquinho está trincado e que o pouco que conseguimos amealhar, vai escoando pelo ralo da economia que em nada se assemelha ao que aprendemos na infância.
Fiquemos com a nostalgia, enquanto acumulamos esperança de que o governo esteja certo e que nós, os saudosistas, estejamos completamente errados. Torcemos por isso, embora sem muita convicção.
*Vitor Sapienza é deputado estadual (PPS), ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, economista e agente fiscal de rendas aposentado