A vida é um sonho vivido em ‘CinemaScope’... Não sabe o que é isso? Na minha infância, isso era uma tela de cinema bem maior, comparada às que existiam na época, onde cabia toda a cavalaria americana e as tribos indígenas dos apaches, comanches, sioux e peles vermelhas. Tinha uma medida de 35 milímetros como se dizia naquele tempo. Na verdade, nunca entendi o que queria dizer isso, mas era o que se falava. Ficávamos estarrecidos quando aparecia naquele imenso plástico branco índios enfeitados dos pés à cabeça, com a pele toda colorida, todos cheios de penas e cocares. Sentíamos vontade de colocar as mãos para ver se eles eram mesmo de verdade. Era assim a nossa diversão. Era Isso o que tínhamos de melhor. Quando o filme terminava voltávamos imediatamente para casa para não fugir do horário de costume. - Volte assim que terminar o filme - diziam nossos pais. Não fomos criados nesse sistema de hoje, que os filhos saem de casa perto das 23 horas e retornam quando acham convenientes, ou então, depois que terminou o luau (festa noturna que se realiza em lugares baldios, recheados de música, bebidas e danças). Nossa educação sempre foi muito severa, mas em nada atrapalhou as delícias da juventude da época. Não tínhamos celulares, muito menos comíamos esses salgadinhos terríveis, malcheirosos e hermeticamente empacotados com os mais diversos sabores. Comíamos frutas colhidas no fundo do quintal. Banana, goiaba, laranja, mamão e romãs eram nossas sobremesas todos os dias. Maçãs e peras só de vez em quando. Além de serem importadas, eram caras e escassas em cidades de pequeno porte. Aprendíamos logo cedo a obedecer aos mais velhos. Era impossível presenciar um diálogo entre uma criança e um adulto sem que não se ouvisse uma dezena de vez o duplo vocábulo ‘sim senhor’. Na escola éramos obedientes. Nossos professores eram muito respeitados. Aprendíamos muito em casa, tínhamos educação de berço, como se diz hoje. É uma pena que os tempos mudaram tanto. As crianças me parecem iguais, mas a educação que elas têm recebido tem estado longe do mínimo necessário, com respeito às raríssimas exceções. Hoje, centenas de mães chegam às escolas dizendo que não conseguem obrigar seus filhos a fazerem as lições de casa. Reclamam que não conseguem levá-los ao banho. Por outro lado, os filhos não buscam na loja os celulares que usam, não compram sozinhos os pares de tênis de última geração ou a roupa de grife famosa. Foram-lhes comprados pelos pais, sem dúvida. Também é comum hoje, a criança chegar à escola dizendo que seu final de semana foi super legal. Passeou bastante com o namorado da mãe ou com a namorada do pai. Uma criança de 7 a 11 anos tem sua cabecinha confusa com esse tipo de convivência. É claro que seu rendimento na escola não poderá ser dos melhores. Sua educação fica comprometida e depois os pais não “entendem” o porquê da reação dos filhos perante eles ou mesmo a estranhos. Acabam por levá-los aos psicólogos, fonoaudiólogos, psiquiatras, psicanalistas, etc., para que estes ‘atestem’ onde está o erro na criança. Na verdade, a maioria dos erros é educacional, fruto de comportamento dos pais. Professores com vasta experiência percebem as reações anormais da criança. São agressivas com seus coleguinhas, relapsos em seus afazeres, indelicadas às vezes, mas quando têm a atenção merecida, agradecem e se tornam dóceis, porque vê na professora a mãe que não tem, a amiga que não possui ou a santa que o catecismo não pregou. Religiosidade pouco se ensina hoje. Muitos pais imaginam que a religião é um componente que se agrega sozinho. E não é isso. A criança precisa e espera esse tipo de ensinamento. Assim como boas maneiras precisam também ser ensinadas. Tem sido comum ensinar aos filhos o exagero do revide do que a doçura da desculpa. Alguns pais ainda acham que os filhos devam revidar com agressões quando incitados, usar a força em situações de indelicadezas dos colegas. Isso, sem nenhuma dúvida, não só tem repercutido na criança que é hoje, como fará agressivo o ser humano que vem sendo construído. E o que é pior, há pouca tendência de reversão. Esse processo indelicado tem efeito dominó progressivo. Eu sinto saudade do meu tempo de escola onde minha preocupação era aprender a ler e escrever, porque a educação e os bons costumes eu trazia dentro da mochila de casa.
*Manuel Ruiz Filho
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