O recente lançamento do projeto “Caixa-Preta da Saúde”, em que as pessoas têm a oportunidade de relatar os problemas da rede de saúde pública e privada, poderia ser um excelente mecanismo para fortalecer as políticas públicas da área e, em especial, o Sistema Único de Saúde (SUS).
Mas nem de longe parece ser essa a finalidade da proposta, que é promovida pela Associação Médica Brasileira (AMB). A instituição tem se colocado, junto com outras entidades do setor, radicalmente contra o Programa Mais Médicos, de iniciativa do Ministério da Saúde. Ou seja, ataca uma política pública que tem desencadeado um amplo movimento social em defesa do SUS e gerado resultados surpreendentes nos municípios em que foi adotado.
À vinda de médicos para atuar nas regiões carentes associam-se medidas governamentais para aprimorar a formação profissional e propiciar melhores condições de trabalho. A denominação do projeto da AMB sugere a existência de malversação no uso dos recursos da saúde – o que não é o caso – e depõe contra a imagem do SUS e de seus profissionais. Trata-se de uma postura meramente corporativista e de caráter político, com claro alinhamento eleitoral de oposição ao governo federal.
Agindo assim, a AMB se coloca contra os anseios populares, quando poderia ter criado um instrumento legítimo para levantar detalhes dos problemas que sabidamente há na saúde pública e particular. A imprensa noticia diariamente dificuldades que também estão afetas à área de atuação dos conselhos profissionais e isso não está relacionado ao trabalho dos médicos estrangeiros.
Como se não bastasse isso, entidades médicas recorrem progressivamente à Justiça para pedir a anulação do Mais Médicos. São questionamentos que poderiam ser resolvidos em diálogo com o Ministério da Saúde e os gestores do SUS. No momento em que se questiona a crescente judicialização da saúde e da política no país, essa atitude tira o foco do debate da reforma sanitária e das opções existentes para dar resposta consistente às demandas populares, que se expressaram nas manifestações de junho do ano passado.
A radicalização de posições e a confrontação com governos de todos os partidos que aderiram ao programa deixarão, no limite, as pessoas novamente desassistidas e provocará grande reação popular. Não será surpresa se novos e vigorosos movimentos da sociedade se levantarem em defesa do Mais Médicos e contra essas entidades. Um conflito desnecessário e que colocará parceiros potenciais em campos opostos. A mobilização e participação da sociedade para garantir a continuidade do Mais Médicos podem ocorrem de modo incontrolável. Se no início as críticas tinham um viés xenofóbico, racista e preconceituoso, principalmente em relação aos profissionais cubanos, agora o tom sobe para um confronto político e judicial. Perdem, com tudo isso, a saúde brasileira e, em especial, o SUS. É isso o que queremos?