*Pe. Djalma Lúcio Magalhães Tunizé é reitor do Seminário Dehoniano, em São Luís do Maranhão
Estamos chegando ao fim do tempo da Quaresma e a Ressurreição do Senhor se aproxima. Ainda há tempo de fazermos uma reflexão... Iniciamos com a quarta-feira de cinzas um grande retiro espiritual:Cobrimo-nos de cinzas e fomos lembrados que precisamos nos converter e crer no Evangelho, e descobrimos que a quaresma se faz com oração, esmola e jejum.
É interessante pensar que com estas três dimensões encontramos a Ressurreição e a Vida, logo na aurora do Domingo de Páscoa.
A oração nos remete a Deus. É uma linha vertical. Estamos ligados ao céu. Aliás, não podemos esquecer que a cor oficial da quaresma é o roxo. Uma cor que não é primária e que precisa de duas outras para formá-la: o azul e o vermelho. A oração é azul! Faz-nos pessoas melhores e nos enche de esperança, ficamos fortalecidos e cheios de imortalidade. Mas a oração também precisa de realidade, de pés no chão, de cheiro da terra. O próprio Jesus nos ensinou a rezar e não se esqueceu de chamar Deus de Pai, lembrando-nos que somos todos irmãos, herdeiros do mesmo Reino e por isso solidários na dor e nas conquistas; não se esqueceu do nosso pão cotidiano, pois a vida se faz com mesa farta e com partilha para todos; e não se esqueceu do perdão. Ah, o perdão, tão falado, tão desejado e tão esperado por todos.
É tempo de contemplar o azul celeste com os olhos bem fixos na Cruz de Cristo. Mas como podemos falar do céu se estamos envolvidos a tantas coisas da terra? Como podemos entrar em contato com a Cruz se levamos tanto da nossa Humanidade?
Penso que precisamos voltar ao roxo. Além do azul também é preciso o vermelho. É a linha horizontal. Disfarçado e misturado com o azul celeste, o vermelho sangue ou vermelho terra, como a que vejo no quintal da minha casa, se dilui num tom muito mais brando. Assim também acontece quando nos juntamos com Deus. Tornamo-nos mais suaves, mais ternos, mais amenos. Mas não deixamos de ser quem somos, não deixamos que o sangue que corre em nossas veias se enfraqueça. É preciso correr, circular, movimentar os órgãos vitais e a energia do nosso corpo.
Temos esta mesma vitalidade quando praticamos a esmola e o jejum.A caridade nos remete ao próximo, como rezamos na oração do Pai-Nosso. Somos todos filhos do mesmo Pai e nos reconhecemos todos como pó, lembrando que um dia ao pó voltaremos. A solidariedade faz parte da nossa divinização e é peça chave para o caminho do Céu. “Se caminhar é preciso”, já dizia um antigo hino cristão, “caminharemos unidos”. De mãos dadas e corações unidos chegaremos ao Paraíso perdido. Mas não podemos sucumbir à tentação de buscarsozinhos o Paraíso. É preciso do outro fazendo estrada conosco, mesmo que o outro seja a pedra do nosso caminho. Aliás, não se constrói uma boa estrada sem boas pedras.
É preciso relevar muitas coisas, passar por cima de outras, perdoar algumas e caminhar de mãos dadas. E quando a caridade se torna difícil, recorremos ao perdão e à oração. O sangue vermelho, o barro do chão pede ajuda ao azul do céu. Somos roxos, como as quaresmeiras dos interiores de Minas, como os santos cobertos de cetim das antigas igrejas, como as estolas sacerdotais, espalhadas por todo o mundo nas celebrações eucarísticas. Roxos.
E quando juntamos a oração com a ação, somos convidados ao jejum, afinal é preciso cuidar de nós mesmos. Não podemos correr o risco de enfraquecer e deixar que o Antigo Inimigo venha nos tentar: “Estás com fome? Transforme esta pedra em pão. Quereso poder? Escolha um reino que eu te darei. Estás feliz e seguro de si? Pule deste monte e não morrerás....”. O jejum nos fortalece, nos faz gigantes para enfrentar o diabo, e cheios de coragem conseguiremos dizer como Jesus: “Nem só de pão vive o homem; Adorarás só a Deus; Não tentarás o Senhor teu Deus”.
E assim, restaurados pela quaresma, chegaremos à Vida, não mais vestidos de roxo, mas transfigurados, brancos como a visão que Pedro, Tiago e João tiveram no Monte Tabor.
“O Senhor ressurgiu, aleluia!” Cantaremos aliviados e cheios de alegria na aurora do Domingo de Páscoa.