Na Semana Santa, lembra-se que a dialética vida-morte-ressurreição atravessa a caminhada da humanidade. Ela vai além das religiões: tese, antítese e síntese estão no âmago de tudo o que pulsa no planeta. O cristianismo, religião oriental que se espalhou pelo ocidente, carrega esse fascinante mistério no seu próprio coração, ao afirmar que a morte não tem a última palavra.
Hoje já se entende que não é possível ficar esperando o paraíso depois de uma existência de privações. É preciso começar a construí-lo aqui e agora: “venha a nós o vosso Reino”. Para quem celebra a Páscoa, a preparação nos dias que a antecedem é plena de humanismo. O Cristo aclamado com ramos na entrada em Jerusalém, sobre um jumentinho – e não um cavalo dos reis belicosos – será o mesmo a ser repudiado dias depois, com a multidão pedindo sua crucificação. O Cristo que sua sangue na eminência do terrível sofrimento no Horto das Oliveiras – “Pai, afasta de mim esse cálice!” – é o mesmo que, horas antes, celebra a fraternura na doce partilha do pão com seus amigos fiéis. Companheiros, os que repartem o mesmo pão!
O que é a vida, então, senão sofrimento e superação, dor e alegria, medo e coragem, angústia e serenidade, morte e ressurreição? O escuro da cruz, na sexta da paixão, prenuncia a páscoa dominical, pessach, travessia de luz. Libertação de todos os cativeiros.
Assim também na história dos povos e nações, mediatizada por conjunturas sócio-políticas concretas. No Brasil de hoje, a crescente cavalgada da discriminação, da eliminação do que difere é sinal sombrio de morte. É abominável quando uma figura pública fala, altissonante, de seu ódio a indígenas e quilombolas – tratando-os como animais sem direito a território (“que nem para procriar servem”) – e às mulheres, geradas por “uma fraquejada”. O ovo da serpente do fascismo está sendo chocado quando é aplaudido por uma multidão, talvez ignorante de recentes tempos sombrios, “passagem desbotada na memória de nossas novas gerações”.
A morte entra devagarinho na vida social quando um modelo econômico, fundado no êmulo da ganância, deixa mais de 13 milhões desempregados. Ou quando o poder público, quebrado por desonerações a grandes empresas e pelo roubo dos gestores, se mostra incapaz de prestar os serviços básicos de saúde, saneamento, educação, moradia e locomoção à maioria dos cidadãos. O véu da morte também cobre um sistema político agonizante, sustentado até então pelo poder dissolvente do dinheiro, no qual as maiorias sociais não conseguem representação.
A Páscoa – dos ateus, da cosmovisão afro e nativa, dos cristãos, judeus, muçulmanos, budistas e adeptos de todos os credos – só chegará para quem se empenhar em gastar sua vida enfrentando as forças da morte, e agregando mais vida à sociedade, para torná-la menos injusta.
O ovo, de energético chocolate, muito além do consumismo, tem enorme simbolismo, que Adélia Prado destaca: “túrgido de promessa, guarda um sol ocluso: o que vai viver, espera”. Que, removida a pedra do túmulo, possa emergir um humanismo radical.