Celso Penha Vasconcelos é Advogado, Doutorando em Direito pela Universidade de Extremadura
A Lei nº 12.846/2013, também conhecida como Lei Anticorrupção, dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira. A referida legislação se aplica às sociedades empresárias independente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente.
A chamada Lei Anticorrupção que é um marco regulatório nas relações entre as empresas privadas e seus representantes com os órgãos da administração pública, está prestes a completar um ano de existência. Entretanto, como toda legislação recente, ainda não houve tempo suficiente para que a doutrina e os Tribunais assentassem entendimento sobre os temas mais relevantes da Lei, alguns deles acompanhados de certa controvérsia na interpretação e aplicação da norma.
Essa não é a primeira Lei a tratar do combate a corrupção no Brasil, pois entre outras legislações existentes temos ainda a Lei de Improbidade Administrativa que foi projetada com foco na conduta do agente corrompido e não no agente corruptor. Por outro lado, a apuração de atos ilícitos com base na Lei Anticorrupção tem como alvo principal os particulares (corruptores), deixando em segundo plano os agentes corruptos.
Em regra, os atos especificados na Lei Anticorrupção como passíveis de punição já estão previstos na Lei de Improbidade Administrativa ou em alguma outra legislação penal, o que reforça o entendimento de que a referida legislação não é pioneira a tratar do tema no Brasil. Porém, é pacífico o entendimento que essa legislação apresentou avanços no combate à corrupção.
Uma das principais particularidades da Lei 12.846/2013 é a previsão de que as empresas privadas serão responsabilizadas objetivamente, no âmbito administrativo e civil, pelos atos ilícitos praticados nas relações com os órgãos públicos. Assim, não haverá necessidade de se demonstrar a existência de dolo ou culpa para que a pessoa jurídica seja responsabilizada. Deve-se destacar ainda, que a responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural partícipe do ato ilícito.
Entretanto, além da responsabilização objetiva a lei anticorrupção prevê algumas punições da empresa envolvida em atos ilícitos dessa natureza, tais como: aplicação de multa de 0,1 a 20% do faturamento bruto do exercício anterior à instauração do processo administrativo, a publicação da decisão as expensas da empresa em jornal de grande circulação nacional, o perdimento de bens, direitos ou valores, a suspensão ou interdição parcial das atividades da empresa, a dissolução compulsória da pessoa jurídica e a proibição de recebimento de quaisquer incentivos ou benefícios obtidos por órgãos públicos pelo prazo de até cinco anos.
Outro instrumento previsto na Lei Anticorrupção, mas que também não é propriamente uma inovação, é o acordo de leniência, que é uma espécie de delação premiada. Essa ferramenta permite ao suposto infrator colaborar com as investigações em troca de isenção ou redução de pena.
É consenso nacional que, com o atual panorama das relações entre particular e Administração Pública (a operação Lava Jato é um grande exemplo), é necessário uma regra mais rigorosa como garantia de respeito e preservação ao erário. Por outro lado, temos que guardar certa cautela, pois com uma legislação estabelecendo punições bastante rigorosas poderá ensejar abusos e também sua utilização com intuito político e persecutório.
Portanto, apesar de não representar propriamente uma novidade, posto que sua essência já se encontrava prevista em outras legislações, não se pode negar que a Lei Anticorrupção é um divisor de águas no combate à corrupção no país.
Por fim, embora possa parecer absurdo, certa vez alguém disse (mas não me lembro quem), que um ex-presidente recente da história desse país teria afirmado numa entrevista concedida a um respeitado órgão de imprensa, que no Brasil existe lei que “pega” e lei que não “pega”. Desta forma, ainda resta saber se a Lei Anticorrupção que já esta prestes a completar um ano contrariando grandes interesses, vai “pegar” ou não.