O ano se começa e as perspectivas para o Sistema Único de Saúde não são as melhores. O Congresso Nacional está preste a definir o financiamento do SUS através da PEC do Orçamento Impositivo, que já foi aprovada em primeiro turno em dezembro e deverá ser submetida à votação em segundo turno ainda no início de 2015.
Esta PEC, originalmente se destinava a obrigar o Governo Federal a pagar a verba destinada aos congressistas para seus redutos eleitorais, as chamadas “emendas parlamentares individuais”. No entanto, ao tramitar no Senado Federal, em uma manobra “estranha”, a base governamental inseriu o financiamento da saúde como matéria vinculada no texto.
Determina o investimento em saúde de 15% da Receita Líquida da União, percentual a ser atingido de maneira escalonada: 13,2% em 2015 até atingir 15% em 2019. Com isto neutraliza o Projeto de Lei de Iniciativa Popular Saúde + 10, que conseguiu mais de dois milhões de assinaturas pela destinação de 18,7% da receita líquida.
A diferença entre as duas propostas é de quase 60 bilhões de reais, o que seria um reforço de grande valor para o SUS. Se aprovada em segundo turno a proposta do Governo, teremos um acréscimo mínimo em relação ao investido hoje pela União. Pior ainda, teremos definido em nossa Constituição valores insuficientes a serem aplicados no futuro, o que será muito difícil reverter depois no Congresso Nacional.
Considerando o atual déficit fiscal e a consequente restrição orçamentária para o ajuste das contas públicas, fica claro que o SUS continuará com suas deficiências crônicas penalizando principalmente as parcelas da população mais frágeis e vulneráveis, justamente aquelas que mais necessitam de um serviço de saúde eficiente.
Preocupada com esta questão e ciente a premência de se tentar reverter este processo imposto pela PEC impositiva, criamos em São Paulo a Frente Democrática em Defesa do SUS, que conta com a participação de diversos setores da sociedade civil. Em reunião ao fim de janeiro, decidimos empreender ações junto aos parlamentares antes da votação final para conscientizá-los dos sérios prejuízos a toda população brasileira.
Lembramos que no passado o Governo Federal era responsável por 70% do financiamento da saúde pública e hoje aplica em torno de 45%, sobrecarregando Estados e Municípios, que estão no limite de sua capacidade de investimento. De qualquer forma fica a pergunta: Seria esta uma manobra para se resgatar a CPMF, o famigerado imposto do cheque?
Outro fato marcante que merece debate é a aprovação, em dezembro, da Medida Provisória 656. Inicialmente tratava de matéria tributária e financeira, contudo foi enxertada com mais de trinta temas que não possuem qualquer pertinência à tributação.
Um deles é a autorização para o ingresso de capital estrangeiro nos hospitais e clínicas. Em 1988 nossa Constituição vedava a participação de empresa ou capital estrangeiro na assistência à saúde, com poucas exceções, como doações ou cooperação técnica. Progressivamente foi liberada de participação em seguradoras, planos de saúde, laboratórios e agora se abre a possibilidade de atuar diretamente nas ações e serviços de saúde.
O tema é polemico, pois de um lado trás novos recursos com a perspectiva de melhoria tecnológica e ampliação da capacidade de investimento. Por outro, não há duvida de que estes recursos veem em busca de lucro, o que pode levar a um viés no interesse de investir em áreas com maior potencial lucrativo, sem necessariamente estar alinhado às necessidades de nossa população.
Uma coisa parece certa: dificilmente estes recursos serão aplicados no Sistema Único de Saúde, cujos hospitais são altamente deficitários. Mais uma vez convivemos com a política de subfinanciar o SUS e estimular a aquisição de planos de saúde, na contramão daquilo que a população considera prioritário.