Prof. Manuel Ruiz Filho é colaborador deste jornal
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Nosso mundo é complexo, mas é perfeito. Por mais que as pessoas se desviem da racionalidade dos caminhos, acabam por voltar cabisbaixas e reconhecendo que todos eles são iguais para todos. Ninguém, por mais privilegiado que seja, tanto social quanto economicamente, tem e nunca terá o direito de subestimar quem quer que seja por ter escolhido este ou aquele caminho. A vida é jogo em que as pessoas trocam de posições a cada lance. Quem está abaixo, sobe, e quem está de um lado muda para o outro.
Imagine você, as situações pelas quais passam aquelas criaturas de Xanxerê (SC), que tiveram seus lares e demais pertences destruídos pelo vento. Sim, pelo vento. Não foi uma avalanche de escombros e muito menos um tsunami. Foi um sopro da natureza que, com certeza, magoada com o tratamento que tem recebido do homem, reage de forma inusitada, sem piedade e sem observar se estaria ou não massacrando culpados ou inocentes.
É preciso entender que somos uma folha seca ao vento, embora há gente ainda que imagina que pode sentir-se maior e melhor do que outros. Isso não faz sentido. Li um texto que bem reproduz o reconhecimento da fragilidade de uma pessoa diante de uma tragédia que nos obriga a repensar a forma de encarar o mundo. As palavras do texto ficaram cravadas na minha memória e não creio que possa esquecê-las tão cedo. A mensagem repudia a arrogância de forma explícita, abolindo toda presunção característica daquele que se julga melhor. Assim era o texto: “Eu tive que aceitar que eu viera ao mundo para fazer algo por ele, para tentar dar-lhe o melhor de mim, deixar rastros positivos de minha passagem e em dado momento partir. Eu tive que aceitar, que meu corpo nunca fora imortal, que ele envelhecerá e um dia se acabará. Eu tive que aceitar que meus pais não durariam para sempre e que meus filhos pouco a pouco escolheriam seus caminhos e prosseguiriam suas caminhadas sem mim. Eu tive que aceitar que eles não eram meus como eu supunha e que a liberdade de ir e vir são direitos deles também. Eu tive que aceitar que todos os meus bens me foram confiados por empréstimo, que não me pertenciam e que eram tão fugazes quanto fugaz era a minha própria existência na terra. Eu tive que aceitar que os bens ficariam para uso de outras pessoas quando eu já não estiver por aqui. Eu tive que aceitar que o que eu chamava de ‘minha casa’ era só um teto temporário, que dia mais dia menos, seria o abrigo de outra família. Eu tive que aceitar que o meu apego às coisas só apressaria ainda mais a minha despedida e a minha partida. Eu tive que aceitar que meus animais de estimação, a árvore que eu plantei, minhas flores e minhas aves eram mortais. Eles não me pertenciam! Foi difícil, mas eu tive que aceitar. Eu tive que aceitar as minhas fragilidades e os meus limites, a minha condição de ser mortal, de ser atingível, de ser perecível. Eu tive que aceitar para não perecer antes do meu próprio tempo. Eu tive que aceitar que a vida sempre continuaria com ou sem mim, e que o mundo em pouco tempo me esqueceria. Eu me rendi e aceitei que eu tinha que aceitar. Aceitei para deixar de sofrer, para lançar fora o meu orgulho e minha prepotência, para voltar à simplicidade da natureza que trata a todos da mesma maneira, sem favoritismo. Humildemente eu confesso que foi preciso eu fazer cessar umas guerras dentro de mim. Eu tive que me desarmar e abrir meus braços para receber e aceitar a minha tão sonhada paz”.
Que Deus nos conserve lúcidos e humildes, aceitando o que é preciso. Não venceremos todas as vezes que formos à luta, mas a luta estará perdida todas as vezes que não nos propusermos a lutar.