Paulo Pereira da Costa e autor dos livros “Pensando na Vida”
e “Pensamento Realista”´ paulopereiracosta@uol.com.br
Paulo Pereira da Costa
Liberdade é algo que nem sempre é bem compreendido. Isso fica claro no dia a dia. É impressionante como tentamos driblar o nosso senso de realidade com base em pensamentos e ideias equivocados sobre liberdade e independência na esfera individual. Vou citar dois: “Não preciso provar nada para ninguém” e “não me importa a opinião alheia”. Na verdade, ambos estão interligados, pois é comum dizer: “não ligo para o que pensam sobre mim porque não preciso provar nada pra ninguém”, como se fosse um princípio filosófico básico e incontestável. Doce ilusão. Na prática não é bem assim. O que circula pelas sendas do pensamento às vezes se esvai quando ingressa no mundo real e concreto. A simples afirmação de que não precisa provar nada, a meu ver, já revela o contrário, já é uma maneira de tentar demonstrar autossuficiência. Sempre tem alguém se dizendo insatisfeito porque faz o melhor que pode, mas não tem o devido reconhecimento. Isso mostra preocupação de provar capacidade e causar boa impressão para, em contrapartida, receber o que considera à altura.
Precisamos provar o tempo todo. Por que é necessário trazer consigo os documentos pessoais? Para provar para os outros que você é você. Até para o seu computador é preciso provar que você é você; quando ele abre o campo para a senha nada mais está fazendo do que lhe dizendo: prove-me que você é quem diz ser. E aí não adianta dizer: “Pô, amigo, não está me reconhecendo?”. Se numa blitz um policial lhe pedir a carteira de habilitação e o documento do veículo, não pense que vai colar a alegação de “não preciso lhe provar nada”. Deixe de exibir ao fiscal da Receita Federal os comprovantes dos gastos dedutíveis declarados que ele lhe solicitar e verá o que acontece. Por que digitar a senha quando se faz pagamento com cartão? Quem se mata de estudar para passar em concurso, vestibular, prova, exame, etc., o que está fazendo? Preparando-se para demonstrar que tem condições de ser aprovado. Um gesto de carinho prova o carinho. A virtude se revela no exercício, não na propaganda. Quem ama não precisa fazer nada para provar? Suponha que o marido vive mais ausente do que presente, e aí, diante da reclamação da mulher, diz: “Ah, você sabe que eu te amo, não preciso ficar provando isso”. Alguém acredita que ela se dê por satisfeita com tal resposta?
Provar é demonstrar, mostrar, deixar evidente, convencer. Qual pai ou mãe nunca precisou suar para convencer o filho ou a filha de que assim é melhor do que assado? O motorista que aciona o sinal de seta mostra para outros usuários da via a intenção de fazer a conversão na direção apontada. Será que esses condutores que não dão seta são adeptos do “axioma” de que não precisam provar nada pra ninguém? Mesmo na esfera íntima é comum agir para provar que é capaz de fazer aquilo que você acha que não é capaz, ou seja, para vencer a própria resistência interna, o medo, a dúvida. Provar para si mesmo é provar para alguém. Você é alguém. O que foi bem feito no passado serviu para sustentar uma situação no passado, não no presente. Um empregado que passa a fazer mal o seu trabalho perde o emprego, mesmo que tenha trabalhado bem anos a fio, pois o que o mantém no emprego é o que pode fazer agora.
Para muitos o fazer bem feito decorre em princípio da consciência desse dever, mas também revela o sentir de que disso dependem outras coisas. O bom profissional dá o melhor de si por uma questão de princípios, mas também porque sabe que seu sucesso depende de sua competência e do reconhecimento. Pode ser que a pessoa pense que não se importa com o que pensam dela no tocante à sua aparência e ao seu modo de vida, e tenha a convicção de que não deve explicações a ninguém sobre isso, mas não faltam oportunidades para ver que não é bem assim; não é crível que não sinta nada se ouve críticas ou comentários pejorativos, se é discriminada, se sofre preconceito. No mínimo vai dizer, com toda razão, que tem seus direitos e que esses direitos têm de ser respeitados. Viver é enfrentar desafios, e vencer desafios requer demonstração de capacidade, poder de convencimento. É um dia após o outro. Sempre será uma ocasião para provar alguma coisa. Talvez seja apenas para demonstrar bom senso, e isso não é pouco. Enfim, para mim só quem não existe é que não precisa provar nada pra ninguém.