*João Guilherme Sabino Ometto, engenheiro (Escola de Engenharia de São Carlos - EESC/USP)
Numerosas propriedades agropecuárias brasileiras, de distintos portes, desenvolvidas ao manejo da enxada, suor e muito trabalho por seus antigos donos e descendentes, são administradas por herdeiros formados em universidades, com especializações e pós-graduação. Eles agregam ao precioso legado dos pais e avôs o valor de sua formação acadêmica, hoje indispensável ao sucesso dos negócios, em todos os setores.
Muitos desses novos gestores, ao retornarem diplomados para casa, são movidos por ansioso desejo de promover mudanças, a começar pela redução dos custos. Dos insumos, como sementes e fertilizantes, aos recursos humanos; das máquinas ao arame farpado das cercas; passando pelo aperto dos fornecedores, movem-se por incontrolado impulso de economizar. Princípio corretíssimo, desde, porém, que aplicado na medida certa. Cortar itens de modo exagerado pode significar o colapso da produção e dos lucros. Normalmente, essas histórias têm final feliz, pois a experiência do pai acaba equilibrando a equação. Nada melhor do que sabedoria somada ao conhecimento!
Análogo a esses deliciosos e verídicos causos do campo, é o esforço fiscal do governo, capitaneado pelo ministro Joaquim Levy, da Fazenda. Não há dúvida de que cortar despesas é prioritário para o País voltar a crescer, gerar empregos e vencer a crise. No entanto, é preciso respeitar os limites suportáveis do arrocho das empresas e da redução de recursos para investimentos públicos. Caso contrário, a exemplo da propriedade rural, a economia sofrerá graves consequências.
Portanto, cabe uma análise do ajuste em curso. No contingenciamento do orçamento da União, anunciado em 22 de maio, os cortes da saúde, de R$ 11,77 bilhões, e educação, de R$ 9,42 bilhões, contrastam com a alta prioridade desses setores. Em abril, a presidente Dilma Rousseff já havia editado decreto que reduziu em 27% os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em relação a 2014. Para as despesas discricionárias dos ministérios, passíveis de manejo, foram apenas 2,5% a menos do que no ano passado. Não seria melhor tirar menos das áreas sociais e da infraestrutura, que gera emprego, e mais do custeio? Verifica-se, assim, que não se trata apenas do quanto, mas no que economizar.
O esforço fiscal também está subtraindo mais recursos das empresas, considerando o aumento de tributos sobre automóveis, crédito, importações, cosméticos e outros produtos. Há, ainda, medidas provisórias que limitam benefícios como seguro-desemprego, auxílio-doença, abono salarial e pensão por morte. Tais providências, além da questão social, significam menos dinheiro na ponta do consumo, engrossando as causas da estagnação.
Outra proposta enviada ao Congresso reduz de modo drástico a desoneração da folha de pagamentos. Se aprovada, transferirá muito dinheiro dos investimentos das empresas para os cofres públicos, num momento em que as margens do setor privado estão sendo pressionadas pelo aumento expressivo dos juros, inclusive os do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Reduzem-se os incentivos concedidos pelo Estado e se aumentam a dificuldade e o custo de produzir no Brasil. Ainda no bolo do ajuste fiscal, não haverá mais repasses do governo ao setor elétrico, com a consequente majoração da conta de luz.
Todos concordamos com a meta de superávit primário de 1,2% do PIB. No entanto, a redução das despesas e aumento de arrecadação precisam ser muito bem direcionados, ter foco correto e garantir um mínimo de fôlego para a economia. Existem alternativas para o corte de gastos, como diminuir o dinheiro do Fundo Partidário, os elevados custos com os quase 30 mil ocupantes de cargos em comissão no Governo Federal, controle de viagens de funcionários, eventos e gastos não prioritários. E isso vale para todas as instâncias dos Três Poderes.
Ninguém deseja que o Estado seja o pai de todos e distribua benesses às empresas, mas também não queremos que aja como o radical filho do agricultor...