Carlos Amorim é jornalista. Trabalhou na Globo, SBT, Manchete e Record.
Vi na TV: o vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP), no dia 20 de julho, em entrevista à imprensa nos Estados Unidos, minimizou o rompimento com o governo do presidente da Câmara Federal, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Disse que nada disso abala a base aliada de Dilma Rousseff. Outros ministros e líderes do PMDB disseram a mesma coisa: “A decisão de Cunha é pessoal”.
Nada mais falacioso. Cunha tem vocação para o ataque, como a melhor forma de defesa. Cristiana Lobo, da Globo News, disse isso com todas as letras. Os âncoras dos telejornais preferiram frases sem adjetivos, seguindo o texto de seu editores. Mas a postura blasé do Planalto é uma tentativa de isolar o dissidente dentro do próprio partido dele.
Em primeiro lugar, o deputado foi levado à Presidência da Câmara contra a vontade do Planalto. E se tornou o terceiro na linha de sucessão presidencial. Depois, instituiu uma pauta conservadora na casa legislativa, derrotando o governo várias vezes. Foi o caso da redução da maioridade penal, o fim do fator previdenciário e outra cositas mais.
E complicou, com ajuda de seu congênere no Senado, o também peemedebista Renan Calheiros, a aprovação das medidas de ajuste fiscal. O retardo na aprovação (com modificações) das medidas econômicas já consumiu metade do ano e terá repercussões sobe 2016. Até agora, a dupla ganhou todas. Neste momento, o governo tenta explorar divergências entre Renan e Cunha para aumentar o isolamento do dissidente.
Quando vazou da Operação Lava-Jato um vídeo em que Eduardo Cunha é acusado de receber propina de US$ 5 milhões (cerca de R$ 16 milhões) no escândalo da Petrobras, fato ocorrido na quinta-feira passada (16), o deputado perdeu as estribeiras. Deu entrevistas rompendo com o governo. Disse _coisa absurda_ que a delação premiada contra ele fora orquestrada pelo Planalto. Logo o governo do PT, que é a maior vítima da Lava-Jato.
Cunha atacou o juiz Sérgio Moro, que conduz o processo da bandalheira na maior estatal do país. Pediu ao STF a anulação da ação penal de Moro, que já condenou empreiteiros a longas penas, o que provavelmente não vai se concretizar em função das delações premiadas. Vão ficar em prisão domiciliar. Podem voltar aos negócios.
E o deputado rebelde fez um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão, na sexta-feira (17). Interrompendo o Jornal Nacional, em horário de grande audiência, afirmou que a Câmara Federal nunca trabalhou como agora, sob a gestão dele. E listou seus feitos. Nem uma palavra sobre as acusações ou o rompimento com o governo. Nem uma linha sobre os tais US$ 5 milhões.
Como jornalista profissional há mais de quatro décadas, tenho poucas lembranças de um presidente da Câmara ter feito isso. Posso recordar Ranieri Mazzilli, no dia 2 de abril de 1964, logo após o golpe militar, anunciando que Jango havia caído e fugido do país. Ouvi pela Rádio Nacional, aos 12 anos de idade.
Depois disso, Ulisses Guimarães, anunciando a Constituição de 1988. Posso estar enganado em relação a Ulisses. Não tenho certeza de que tenha sido um pronunciamento oficial em cadeia nacional. Mas uma fala como a de Eduardo Cunha, que parecia um tanto robotizado diante do teleprompter, parece não ter anotação histórica.
As emissoras de TV, consultando seus analistas, contradizem a ideia de que vivemos uma “crisezinha” política. Eles disseram, especialmente na Globo News, no Jornal da Band e na Cultura, que o agravamento da crise política complica a questão econômica.
Passam-se seis meses para aprovar o ajuste fiscal, com enormes consequências sobre o quadro inflacionário (a inflação pode fechar o ano acima de 9%), o desemprego (que já ronda os 9%) e a inapetência do empresariado em fazer novos investimentos. Continuam as demissões em massa na indústria, capitaneadas pelo escândalo na Petrobras, atingindo diretamente as obras físicas da empresa e chegando às montadoras, que amargam queda de 25% nas vendas.
E tudo parece rastreado na “crisezinha” política. Os analistas da mídia dizem que se trata de “uma crise de confiança”.
Os editores de telejornais devem estar em dúvida sobre esse caráter agressivo de Eduardo Cunha. Aliás, o Supremo ainda não autorizou investigações oficiais contra Cunha e Renan Calheiros. Mas é provável que o faça. E os responsáveis pelo noticiário televisivo podem estar diante de um dilema: claramente, a grande mídia apoia uma oposição civilizada, tipo Aécio Neves, Serra e FHC, todos do PSDB.
Mas esse Eduardo Cunha, que de fato deu um novo ritmo à Câmara Federal, soa incontrolável. Para piorar: o governo federal é um dos maiores anunciante de telejornais e eventos esportivos, através do Banco do Brasil, da Caixa e de outras instituições públicas. Como lidar com esse imbróglio, sob pena de punir o telespectador ou perder receitas? Não é fácil desatar esse nó.