A estratégia Meirelles de ajuste fiscal contava com a aprovação de uma reforma ampla das regras previdenciárias que tivesse efeito rápido sobre o item de maior peso no gasto, a fim de garantir metas declinantes de déficits primários.
Havia ainda a Emenda do Teto, segundo a qual o gasto total não poderia crescer mais que a inflação, ambas difíceis de viabilizar. No mais, o governo emitiria moeda (e depois dívida no overnight) no que fosse preciso para financiar o buraco final.
Numa recessão aguda, até dá para se arriscar a emitir moeda à larga, mas misturar reforma da Previdência com ajuste fiscal de curto prazo é algo bem mais complicado. Muitos reagem dizendo que não há déficit na Previdência, e que basta redirecionar para esse segmento receitas hoje supostamente aplicadas onde não deveriam estar, tese da recente CPI sobre o tema.
Para quem recebe menos, jogar o foco em mudança de regras soa como uma injusta quebra de direitos penosamente adquiridos ao longo dos anos. A eles se unem grupos de servidores detentores de aposentadorias especiais e absurdamente altas, na fácil tarefa de barrar reformas no Congresso.
Outro erro crasso foi achar que as administrações estaduais – mais próximas de finais de mandato – conseguiriam sobreviver sem um reforço de caixa análogo ao que União deu a si própria, como já demonstrei seguidamente neste espaço. Parece que as autoridades federais estão testando o ponto máximo de extensão da corda da explosão social em centros urbanos como o Rio de Janeiro.
Reformar a previdência é, de fato, crucial, mas isso tem de ser feito do jeito certo. Não como parte de um impopular e pouco compreendido ajuste fiscal de curto prazo, em que se faz um esforço enorme para mostrar economia de gastos em alguns anos logo à frente.
Em vez de ficar emitindo moeda (e/ou dívida de curto prazo) para si e olhando de longe os entes subnacionais atrasando pagamentos e caminhando para a forca no último ano de mandato (quando, pela Lei, teriam de zerar os atrasados), o governo precisa mudar seu enfoque antes que seja tarde demais.
Dois pontos adicionais devem ser registrados. Um é que a eliminação do passivo previdenciário permitirá retirar a parcela dos Inativos e Pensionistas dos orçamentos públicos.
Essa parcela é majoritária no segmento residual dos orçamentos, onde divide um espaço bastante apertado com o gasto discricionário, e se estima, em média, em cerca de 20% da receita corrente total líquida.
Em seu lugar, entrará a contribuição patronal apenas do sub-orçamento discricionário, algo bem menor. Já as contribuições dos majoritários segmentos que têm fatias cativas dos orçamentos serão cobradas diretamente deles, pois hoje eles praticamente não contribuem com qualquer parcela da despesa de aposentados ou fazem qualquer contribuição patronal. Ou seja, caber& aacute; a eles encontrar os caminhos para ajustar seus próprios gastos.
Finalmente, cabe notar que o equacionamento do passivo atuarial cria também a possibilidade de se aliviar o caixa dos entes sufocados pela recessão via securitização dos ativos/recebíveis incorporados ao fundo previdenciário (ou seja, a antecipação de ingressos futuros relacionados à venda desses ativos/recebíveis).
Para os entes subnacionais, a União, que se arrisca muito ao financiar seus próprios déficits com emissão de moeda, poderia ajudar antecipando recursos, via BNDES, por exemplo, diante do grande volume envolvido e das incertezas. E tudo isso, como já demonstrei à parte, sem afetar o resultado primário ou outros indicadores relevantes.