Antonio Rocha Bonfim (Foto: Reprodução)
Luzes, sons, drogas lícitas e ilícitas, excesso e insensatez. Álcool girando nos corpos e corpos girando na noite de sábado.
Wellington começou a girar no sábado e girou até o início da quinta hora do domingo. Uma chuva intermitente mantinha o asfalto molhado. E Wellington deixou a balada pouco depois das quatro, em um pico de chuva.
Madrugada, pista escorregadia, visibilidade prejudicada e um veículo conduzido por um jovem embriagado. Se batermos isso tudo em um liquidificador imaginário, certamente teremos algo com cheiro e gosto de velório ou, no mínimo, de UTI.
Incontáveis chuvas caíram ao longo da história. Todas as chuvas lavaram – ao que parece – a coerência e derreteram a lucidez do mundo. A existência tornou-se um exercício dilacerante que não apresenta perspectivas positivas na linha do horizonte. É preciso pisar fundo. Melhor viver um ano à velocidade da luz que trezentos anos em passo de tartaruga. É necessário completar todos os espaços da vida, combater o enfado e preencher os momentos com emoção. A vida é uma aventura passageira e não espera; até mesmo líderes religiosos trabalham com um novo conceito: um deus contemporâneo cuja promessa de um paraíso imediato, na Terra e não no porvir.
Wellington pisou fundo e o veículo girou algumas vezes. Mas, conseguiu controlar o carro que, misteriosamente, morreu junto ao meio-fio. O jovem cochilava, de repente, ouviu suaves batidas no vidro, tão suaves que pareciam vir de um mundo distante. Quando abriu os olhos, deparou-se com a mais bela mulher que até então já vira; bela, molhada e sorridente.
“Morri e você é o anjo que veio me receber?”, perguntou Wellington.
“Não, você não morreu, mas foi muito imprudente, estou aqui para ajudá-lo.”
“Ajudar-me?”
“Ajudá-lo, você não está em condição de dirigir, vou assumir a direção, aprendi que na vida real as coisas não acontecem como nos filmes Velozes e Furiosos”, continuou a garota, “vou deixar meu contato no seu celular, nome e telefone, para o caso de você precisar no futuro.”
Quando Wellington acordou, pouco antes do meio-dia, sentia a cabeça pesar toneladas. Um banho vai afugentar a carraspana, pensou. O pileque fora homérico. Depois do banho, tomou café preto e sentiu-se um pouco melhor. Então aconteceu um fenômeno estranho e inusitado: foi dominado por um súbito e imperioso desejo de ler o jornal; logo ele, Wellington, o jovem que não gostava de ler nem placas de trânsito. Dirigiu-se à banca de revista e pegou o jornal do dia.
Folheando o jornal, deparou-se com a fotografia da garota que o ajudara na madrugada. Olhou melhor, não era possível, a foto estava na... seção de obituário. Não podia ser! A nota dizia que a garota morrera na disputa de um racha, quando o carro em que ela estava – em companhia de mais dois jovens – batera frontalmente em um poste e saía rolando pelo asfalto como uma folha seca; o acidente acontecera há três dias. Não, não, tinha de ser uma sósia!... Pegou o celular, consultou a agenda e sentiu uma pedra de gelo na alma. O nome do jornal era o mesmo da agenda do celular. Fez a ligação.
“Alô”, disse uma voz do outro lado.
“Aqui é... um amigo da...”, deteve-se, voz embargada.
“está ligando para dar os pêsames, eu sou a mãe, morri com minha filha naquele acidente, você é?...”
Wellington nada disse. Tremia, apenas, a cabeça girando, girando, girando...