Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
Os quatro casais – Seixas e Sofia, Campos e Mônica, Ramos e Natascha, e Hilário e Tânia –, bem como o professor, filósofo e escritor Dagoberto e a incrivelmente bela Sheylla Karla estavam reunidos na casa da Raquel. A turma bebia e conversava animadamente sobre temas vários.
“Estamos atravessando dias de esterilidade criativa, um período de decadência da música à condição de mero entretenimento barato”, disse o Dagoberto.
“Seu refinamento intelectual o faz pensar assim”, disse o Ramos, “você prioriza a música clássica e desaprova os movimentos musicais populares.”
“Isso é verdade em parte”, rebateu o filósofo, “realmente sou um apreciador da música clássica, mas também gosto de um estilo vocal calcado no swing e no improviso, ontem mesmo ouvi Anita.”
“Nossa, agora você me surpreendeu”, disse a Sheylla Karla, “então, assim, eu também adoro a Anitta, estive em um show dela no ano passado.”
De fato, toda a turma estava surpresa com a declaração do Dagoberto. Todos o olharam com olhos incrédulos e interrogativos.
“O que é isso?!”, disse o Dagoberto com um ligeiro tom de protesto na voz, “eu estava me referindo a Anita Belle Colton, a popular Anita O’Day, cantora de Jazz e dançarina estadunidense que nasceu em 1919, em Chicago, e morreu em Los Angeles no ano de 2006.”
A Anitta da Sheylla Karla era brasileira, estava viva e era grafada com dois tês – uma ligeira diferença da Anita do Dagoberto. Um constrangimento ameaçou instalar-se no recinto. Para mudar o tema e o curso da conversa, a Natascha disse:
“Tenho uma novidade, a notícia mais surpreendente dos últimos tempos.”
“Finalmente o Corinthians ganhou um jogo”, arriscou o Campos, “eu já sabia.”
“Não é nada disso”, disse a Natascha, “a nova e surpreendente notícia é que fiquei sabendo que o número de onças-pintadas aumentou em uma área florestal do Estado do Paraná, sabem o que isso significa?”
A Sheylla Karla, que estava em um dia inspirado, mexeu no cabelo com uma ingênua e involuntária sensualidade de colegial e respondeu:
“Então, assim, acho que deve ter aumentado o número de pintores.”
“Não, a onça-pintada não é uma pintura, é real, de verdade”, disse a Tânia, “o que aumentou foi o respeito a um felino da fauna brasileira, pelo menos foi o que aconteceu no local a que a Natascha se referiu.”
A ameaça de constrangimento cresceu.
“Estou começando a ficar preocupada com o Brasil”, disse a Mônica, apenas para quebrar o silêncio e afugentar a ameaça de constrangimento, “repararam que existe um vazio de liderança em nosso País?”
“Claro que sim, aliás, no mar de incertezas em que navegamos, essa é uma das poucas certezas”, concordou a Sofia, “e há também um vazio de competência.”
“E um vazio de seriedade”, acrescentou o Hilário, “e tudo somado joga o País em um incômodo vazio de credibilidade.”
“Concordo com todos”, disse o Seixas, que até então estivera calado, admirando disfarçada e discretamente a inebriante beleza da Sheylla Karla, engoliu um generoso gole de chope e completou, “mas devo acrescentar que, de todos os vazios existentes atualmente, o maior está entre as orelhas dos políticos.”
Todos riram. Inclusive a Sheylla Karla, que nada entendeu.