Antonio Rocha Bonfim
Os dois eram professores universitários e estavam sentados à mesa do bar. O garçom chegou, depositou uma garrafa de cerveja e dois copos sobre a mesa e se afastou. Os professores abasteceram seus respectivos copos, engoliram um bom tanto do líquido e recolocaram os copos no tampo da mesa.
“Não é, ou pelo menos não deveria ser segredo pra ninguém que, assim como a ampulheta, a bússola é um instrumento absolutamente inútil”, disse o mais magro, o de cabeleira revolta.
“Lá vem você com suas mensagens cifradas! Por que está dizendo isso se ainda estamos na primeira cerveja?”, perguntou o outro, o calvo atarracado.
“O que é isso?! Mesa de bar também merece um bom nível, o que quero dizer é que o homem não precisa medir o tempo nem fazer o esboço prévio de um ponto de chegada, precisa apenas de movimento.”
O homem atarracado e calvo meneou a cabeça num característico movimento de parcial concordância. Olhou para a palma da própria mão como quem olha para um mundo distante e disse:
“Faz sentido, entretanto, é preciso ter em mente que, aquele que se guia pelas estrelas, corre um sério risco de se perder numa noite escura de tempestade.”
“E também pode se perder num dia claro de calmaria, ainda que tenha uma bússola”, retrucou o de cabeleira revolta, “a verdade é que todos se perdem em determinadas circunstâncias, perder-se não representa um problema, desde que, logo após se perder o homem se encontre.”
“E como é que alguém que está perdido pode se encontrar?”, perguntou o calvo.
“Como eu disse, a sugestão é o movimento, não importa se na noite escura ou no dia claro, no dia escuro ou na noite clara... o importante é encarar o breu ou o brilho, respeitar a ambos, mas sem temer nenhum dos dois, e seguir em frente.”
“Devo admitir que, uma postura pautada pela pusilanimidade, de fato não proporciona nenhuma contribuição para a evolução humana”, disse o atarracado, “mas o movimento não é tudo, ele necessita de complementos.”
“É claro, não citei complementos por julgar desnecessário mencionar o óbvio”, disse o da cabeleira, “entretanto, insisto: o movimento é essencial, a ele podemos, e devemos, evidentemente, acrescentar sensatez e outros ingredientes altruístas.”
“Uma grosa seria um ótimo ingredientes!”, afirmou o atarracado.
“Uma grosa?!”, espantou-se o homem mais magro.
“Sim, uma grosa para limar as quinas e asperezas do viver, injetando, assim, mais cordialidade no cotidiano.”
“Eureca! Isso diminuiria a periculosidade da vida.”
“Espere aí, da vida não, do viver, nós conhecemos o viver, mas, ao que me consta, não podemos definir a vida.”
“Como não? A vida é um momento no espaço, ao mesmo tempo breve e eterno, em outras palavras: uma complexidade simples e uma simplicidade complexa.”
O diálogo foi passando por uma gradação sutil.
“Reparou na nova funcionária?”, perguntou o calvo na décima quarta cerveja.
“Claro, a belíssima morena, ela tem perfume inebriante, um corpo estonteante e o dom de me fazer sonhar.”
“Por que não diz simplesmente que ela é muito gostosa?”
“Ela é uma delícia, mas é preciso respeitá-la, manter um bom nível.”
Antonio Rocha Bonfim é romancista, contista, poeta, compositor, letrista, intérprete e colunista deste jornal