(Foto: Antonio Rocha Bonfim)
Em torno de uma mesa retangular, os três homens estavam sentados em suas respectivas cadeiras de estofamento macio. A sala de reuniões ficava por aqui mesmo, em terra firme – embora frágil e sujeita a convulsão -, mas, o trio exibia semblantes arrogantes ao extremo, como se estivesse sentado em altas nuvens, pairando indelével sobre tudo e sobre todos. De repente, a gargalhada do líder ecoou no ambiente, uma gargalhada que surgiu inopinadamente e cessou de modo abrupto, como o estampido de um disparo de arma de fogo.
“Qual é a graça, senhor?”, perguntou um dos subalternos, o de gravata cinza.
“Como qual é a graça? A piada foi excelente!”, disse o líder.
“Mas... não ouvi piada nenhuma.”
“É claro que não, nem podia ter ouvido, você não estava presente quando me contaram a piada”, explicou o líder.
“Espere um pouco”, interveio o outro subalterno, o de gravata marrom, “quando foi que o senhor ouviu a piada?”
“Ouvi a piada no domingo”, disse o líder, “uma piada muito engraçada.”
“Mas hoje é sexta-feira, senhor.”
“Acontece que só agora eu entendi a piada, ta o.k.”
“Precisamos deliberar sobre dois assuntos, senhor”, disse o de gravata cinza, segurando o riso ante a lentidão mental do líder.
Com a habilidade com que um oriental perito em artes marciais sabe girar um bastão, o líder girou uma caneta esferográfica nos dedos. Felizmente nada escreveu, já que grafava camisa com z. Ficou sério e disse:
“Não vão me dizer que tem jornalista enchendo minha paciência outra vez!”
“Tem”, disse de maneira sucinta o de gravata marrom, “mas, vamos tratar de outros assuntos, senhor.”
“Eu já to de saco cheio disso tudo daí, ta o.k.”, disse o líder, “jornalistas vivem me aporrinhando, mas, quais serão os temas da nossa conversa?”
“Algo estranho e seriíssimo está acontecendo”, disse o de gravata cinza, “a chamada fuga de cérebros vem ocorrendo sistematicamente, cientistas, pensadores... enfim, as melhores cabeças estão indo embora, senhor.”
“É fácil resolver isso daí”, disse o líder, “pra substituir os que estão indo embora, vamos convocar militares da reserva, ta o.k.”
“Que seja”, concordou o de gravata marrom, “a outra questão preocupante diz respeito à preservação das florestas, os ambientalistas estão nos nossos calcanhares.”
“Ambientalistas são va-ga-bun-dos”, esbravejou o líder, “não dou a mínima pras florestas, sem árvores o vento vai circular livremente, deixando a temperatura mais amena e agradável, ta o.k.”
“Mas muita gente acredita que preservar as florestas é importante, senhor”, pontuou, timidamente, o de gravata cinza.
“Não interessa o que muita gente acredita, a economia é prioridade, eu já disse que não dou a mínima pras florestas, e o que vale é a minha palavra, afinal, sou o líder.”
“Mas ao que parece, a economia também não está decolando e... o que faremos quando o caos se instalar, senhor?”, perguntaram uníssonos os dois subalternos.
“Já tenho tudo esquematizado, quando o caos se instalar, diremos que a culpa é de algum ator famoso, e se não colar, correremos pra floresta, ta o.k.”
Com um misto de preocupação e velada incredulidade, os subalternos sorriram.
Antonio Rocha Bonfim é romancista, contista, poeta, compositor, letrista, intérprete e colunista deste jornal