Familiares, amigos, colegas, vizinhos, enfim, todos aqueles que o conhecem pessoalmente são unânimes em afirmar: “O Lúcio é a generosidade em pessoa.”
O fato é que todos estão corretos na avaliação, Lúcio sempre esteve pronto a estender a mão ao próximo. E desde sempre considerou como próximo o outro, ou seja, todo aquele que não é ele próprio. Nunca se norteou por uma questão espacial, para ele, qualquer habitante do planeta é considerado um próximo.
O Lúcio sempre foi um sujeito simpático e bem-humorado, confiável e leal. Um camarada capaz de despertar naturalmente, sem o menor esforço, bons sentimentos. Em resumo: um tremendo boa-praça. Tinha cinco irmãos e, quando um acidente automobilístico ceifou a vida do caçula, o Lúcio sofreu grande baque. Mas é homem que, além de guiar-se por irrepreensível código ético-moral, também é temente a Deus; concluiu logo que não devia rebelar-se com a morte de Jessé – este era o nome do irmão caçula – e aceitou o que fora determinado pelo Senhor.
Seis meses depois do falecimento de Jessé, o Lúcio conversava a respeito de relevância familiar em um grupo de amigos.
“Não é segredo pra ninguém, portanto, o que vou dizer poderá soar lugar-comum”, disse um dos participantes da conversa, “mas a verdade é que a família é a mestra que nos ensina afeto, valorizá-la é primordial.”
“Minha posição também é lugar-comum, o que vou dizer já foi dito inúmeras vezes, mas é a mais pura e cristalina verdade, encaro a família como um porto seguro”, opinou uma senhora, “quando a angústia bate à porta e nos deixa frágeis como asas de libélula, a família sempre nos ampara, recebendo-nos de braços abertos.”
E outras opiniões lugares-comuns foram verbalizadas entre os amigos.
“Meus pais tiveram seis filhos e a todos ensinaram a importância do respeito ao próximo e da convivência pacífica e solidária entre todos os seres humanos, é claro que, ao longo do tempo, cada um construiu suas particularidades, mas, os seis aprenderam a lição”, disse o Lúcio, quando chegou sua vez, e depois de uma pausa, arrematou, enigmático, “devo salientar, entretanto, que Jessé, o caçula, é o mais vivo dos irmãos.”
Todos ali eram amigos e todos sabiam a respeito da morte do Jessé. Olharam surpresos e interrogativos para o Lúcio que, lacônico, explicou:
“Na atual conjuntura, vivo é quem morre.”
Acharam, a princípio, que fosse apenas um jogo de palavras construído sem propósito específico, mas a fala representou um divisor de águas. O Lúcio se tornou sorumbático, taciturno. Dois meses depois fez um anuncio surpreendente:
“A Vilminha e eu acabamos de nos separar, o casamento caiu na rotina, ficou insustentável.”
Começou a ver rotina em tudo, uma rotina torturante, até mesmo no que é vital. Culminou com a conclusão de que as pessoas respiram o tempo todo para continuar vivendo, o que faz do viver a maior de todas as rotinas.
E o boa-praça Lúcio afastou-se de todos. Até que num dia de início de abril, sentindo-se menos Lúcio, menos lúcido, menos gente, um evento o fez experimentar um insight: viu quando uma pequena folha caiu de uma árvore e provocou a milagrosa operação de transformação do mundo.
Pensou que Deu se manifesta o tempo todo, normalmente de maneiras singelas.
E o Lúcio escreveu poemas e comprou flores para reconquistar a Vilminha. Felizmente conseguiu. Esta é uma história com final feliz.